Folha de S. Paulo


Armando Freitas Filho é um poeta excepcional, da estatura dos grandes do século 20

Considero o Armando Freitas Filho um poeta excepcional, da mesma estatura de todos os grandes poetas brasileiros do século 20, alguém para ser lido junto com Bandeira, Drummond, Cecília, Murilo, Cabral.

Também acho relevante chamar a atenção para a geração dele, que é bem impressionante. Armando Freitas Filho, Sebastião Uchoa Leite e Francisco Alvim são os três mosqueteiros dessa geração, e exprimem muito bem a diversidade dela.

O dever do poeta

Eles se identificam por manterem um vínculo muito forte com os gigantes da tradição, mas sem recuarem um milímetro sequer das problemáticas mais duras e complexas do seu tempo, inclusive quanto aos debates estéticos que atravessaram cada um a seu modo, sobretudo quanto às vanguardas construtivistas que vieram antes, mas também quanto à chamada "poesia marginal" que veio depois deles.

Entre esses pares, que na verdade são ímpares, o Armando Freitas Filho tem uma poesia mais introspectiva, na qual o poema às vezes simula uma extração da própria consciência do sujeito, que o poeta elaborou e modelou obsessivamente, como artista.

A matéria-prima que essa consciência oferece é toda impregnada de ideias fixas e conflitos que dão uma espessura singular ao sujeito, ao mesmo tempo em que o mostram com frequência clivado, inconsistente, fragmentário como a memória e o próprio resíduo das experiências vividas.

Mas, antes que se imagine esse sujeito conturbado preso no cubo fechado da consciência e do poema, a poesia de Armando Freitas Filho se projeta de maneira muito arrojada e vital para dois campos que demandam a maior abertura - que são a cidade, por um lado, e o sexo, por outro: os espaços e as práticas do risco e da impureza, por meio dos quais o sujeito só se impõe porque aí necessariamente se abre, abraça o outro (às vezes com um desejo raivoso) e se deixa contaminar.

Essas vias de ruptura, tanto pela cidade quanto pela sexualidade, dão à poesia de Armando Freitas Filho um caráter intensamente político, que extrapola o discurso da intimidade, e nos obriga a ver também na introspecção as marcas da vida em comum, da esfera pública, da vida de relação, "dentro" e "fora" se interpenetrando e atravessando o poema.


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