Folha de S. Paulo


James Salter: o herói esquecido da literatura norte-americana

Oito anos atrás, o escritor James Salter recebeu, do nada, um telefonema de um admirador: um general norte-americano que havia adorado seu romance "The Hunters" - a ponto de encomendar cópias para presentear todos os comandantes de grupos que lhe eram subordinados. O general perguntou a Salter, ex-piloto da força aérea norte-americana, se ele estaria interessado em um voo em um F-16, caça 10 vezes mais poderoso do que o F-86 que o escritor pilotou na Coreia. ("The Hunters" se baseia nas experiências de Salter durante a guerra da Coreia, na qual ele voou mais de 100 missões de combate.)

Salter, um homem consideravelmente esquivo, parou para pensar. Fazia 44 anos que havia sentado pela última vez em uma cabine de pilotagem. Mas, por outro lado, por que não fazer o voo? "Acho que sim", respondeu. Uma data foi agendada. Ele viajaria a Fort Worth, Texas, antes do final daquele mês.

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James Salter, autor de
James Salter, autor de "Última Noite e Outros Contos"

"Viajei para lá", ele conta. "E... bem, o general era um cara bem jovem. Quase não parecia autêntico. Mas era muito simpático". Pausa. "Não, não simpático. Isso parece horrível. Como se ele fosse um jardineiro, algo assim. Quero dizer que parecia ser um cara decente. E tinha organizado tudo. Tinha um traje de voo para mim, com meu nome bordado no peito; botas; uma jaqueta de piloto. Foi imensamente tocante". Outra pausa, durante a qual ele me olha como se estivesse tentando se certificar de que estou realmente interessada na história --depois do que, aparentemente convencido, prossegue, em tom brincalhão. Quem o ouve, aquela voz tão leve, aquele tom tão modesto, imaginaria que pilotar um jato talvez seja tão fácil quanto jogar pingue-pongue ou boliche.

"Primeiro, ele me levou à sala de operações, para a orientação. As coisas são um pouco diferentes [em um F-16]. Eu tive de aprender como me ejetar, e voar no simulador para que eles determinassem se isso me deixava vesgo, ou qualquer coisa assim. Fiz um ou dois pousos simulados. Depois, fui para a sala de prontidão, onde diversos pilotos estavam esperando antes de uma missão, e o general me apresentou, dizendo que eu tinha escrito 'The Hunters' e voado na Coreia com 'Boots' Blesse {um famoso ás que está enterrado no cemitério nacional de Arlington], e todos vieram conversar comigo porque já tinham ouvido falar de 'Boots' Blesse, e conversamos como no passado, e foi quase possível imaginar que eu era um deles".

"Quem me levou no voo foi um tenente-coronel. É claro que eu tinha feito a mesma coisa, quando tinha a idade deles". Ele abaixa a voz comicamente por um momento, e solta um pequeno suspiro. "Levado velhinhos em voos. Percebi que ele estava olhando para mim... minha idade. Quero dizer, eu não parecia ter 40 anos. Estava com 79. Ele avisou que cuidaria da decolagem e ordenou que eu não mexesse em nada. Eu respondi que tudo bem. Entramos no avião, ele decolou, voamos um pouco. Estávamos a 1,5 mil metros de altitude. Então ele perguntou se eu queria pilotar um pouco, e eu respondi 'claro'. Depois perguntou se eu queria tentar alguns tunôs, e eu tentei. Em seguida, perguntou se eu queria tentar um loop. Respondi que sim, e subimos a três mil metros. Em um loop, você ganha 790 km/h de velocidade, e a força da gravidade é de 4G... É isso. Quando eu completei o loop, ouvi o tenente-coronel dizer, 'maravilhoso, maravilhoso'". Salter sorri.

E para ele, também foi maravilhoso? "Não, não foi tão maravilhoso", ele responde, baixinho. "Mas foi bom saber que ainda era capaz daquilo. Voar tem isso. Você sente... é uma coisa boa, uma coisa física, como rebater uma bola. O que há de tão bom em rebater uma bola? Não sei explicar. Rebata e você vai ver".

Maravilhoso, maravilhoso. Salter reluta diante de palavras como essa, por mais que sejam gratificantes quando ouvidas. Ele adora os elogios, mas só se não estiverem condicionados à sua idade. Não interessa a ele ser bom aos 87 anos; só interessa ser bom. E se isso é verdade quanto ao que ele ainda é capaz de fazer na cabine de pilotagem, quando lhe dão chance, é triplamente verdade quanto à sua escrita. Nos Estados Unidos, seu primeiro romance em 34 anos acaba de ser lançado, e embora ele esteja juvenilmente deliciado com algumas das críticas --"não uma coda, mas uma ouverture", definiu o "New York Times", aclamando "All That Is" como "surpreendentemente original" -, detecta um tom de certa condescendência em outras reações.

"Que maravilha, que incrível, eles dizem, Esse velho babão mal consegue ficar em pé e escreveu um romance novo". A revista "New Yorker", por exemplo, optou pelo título "The Last Book" [o último livro] para o longo e um tanto desdenhoso perfil de Salter que publicou recentemente, o que soa a franqueza excessiva. "Suponho que seja justo apostar que este será meu último livro. Mas...", e as mãos de Salter se movimentam significativamente no ar.

Ele parece ter a idade que tem? Certamente não. Suas costas são eretas. Seus olhos não são opacos, mas de um azul extraordinário, como o Mediterrâneo em um dia quente. Acima de tudo, ele é um homem muito interessado. Talvez isso me faça parecer tão chata quanto os demais críticos, aos seus olhos, mas digo que, para mim, ele não parece ter 87 anos. "Depende do momento do dia", ele diz. "Pela manhã, sentado para o café, no sol... essa é a estação do ano em que é fácil me sentir parecido comigo mesmo. Sinto-me bem. Não preciso fingir que estou bem, nada disso. A capacidade de concentração por longos períodos se vai, e algumas palavras escapam, não importa o quanto você se esforce. É como se meu bolso tivesse um pequeno rasgo. Mas isso não quer dizer que você seja incapaz de escrever".

Quanto a isso, pelo menos, seria difícil discordar. "All That Is" pode ter lhe custado anos de trabalho --Salter acha que definiu como trataria o personagem principal cerca de uma década atrás -, mas tem grandeza própria. O romance conta cerca de 40 anos da vida de Philip Bowman, que serviu à marinha e depois se tornou editor de literatura. O tratamento do tempo, a elíptica sabedoria da escrita e as ocasionais e doloridas crueldades são magistrais; cada parágrafo do livro é discreta e cuidadosamente bom. E na página, além disso, todos podemos ser jovens. O romance é incomumente vigoroso. Muito sentimento. Muito sexo. Quem comprar o livro sem conhecer coisa alguma sobre Salter talvez imagine que o autor seja jovem --um sujeito de cabelo escuro, quem sabe uma jaqueta de couro. Salter sorri diante da imagem. "Bem, são coisas que eu tive um dia", ele diz, inclinando a cabeça melancolicamente.

Quem é James Salter? Pode ser que você nunca tenha ouvido falar dele. Salter não é famoso da maneira que Philip Roth e John Updike se tornaram famosos, e nem de longe tão prolífico; sua reputação repousa sobre apenas duas coletâneas de contos, cinco (agora seis) romances, e um livro de memórias, "Burning the Days". Mas ele é, ainda assim, o tipo de escritor norte-americano que é comum definir como "grande".

Um estilista, um purista, um homem que não trata o leitor com compaixão, mas tampouco perde a elegância. Seus romances, que giram em torno de coragem, mulheres e da tristeza que persistentemente habita cada um de nossos dias, são estranhamente atemporais --ignoram a política e até referências a marcas, como se essas coisas fossem sujas-- e no entanto parecem também pertencer a outra era; algo neles traz à mente Ernest Hemingway, Thomas Wolfe, até mesmo Graham Greene, ao lado de cujos papéis os cadernos de anotações de Salter agora jazem, arquivados no Harry Ransom Centre, Universidade do Texas.

"Entre os leitores de ficção, é artigo de fé dizer que James Salter escreve sentenças norte-americanas melhor do que qualquer outra pessoa, hoje em dia", afirma o escritor Richard Ford em sua introdução à edição Penguin Classics de "Light Years", romance de 1975 que certamente representa a obra-prima de Salter. Será verdade? Não sei dizer. Mas "Light Years", em que um casamento maravilho primeiro definha e por fim de dissolve, é decerto um livro extraordinário --devorador, como "O Grande Gatsby"; pungente, como "Foi Apenas um Sonho: Rua da Revolução", ágil, como "Coelho Corre". Diz-se --mas eu infelizmente não tenho coragem de pedir-- que Salter faz um ótimo martíni, e é exatamente isso que "Light Years" traz à mente.

Você sente o sabor descendo, a queimação na garganta. "All That Is", que serve como uma espécie de acompanhamento ao trabalho anterior (falando dos relacionamentos de um homem, e não de um casamento) é um trabalho mais gentil, mais esperançoso. Mas são talhados da mesma pedra: a inquietação que nos aflige em silêncio mesmo nos momentos em que deveríamos estar mais satisfeitos.

Salter vive em Aspen, Colorado, e Bridgehampton, Long Island, uma existência dupla que parece glamourosa e sofisticada mas na verdade não é. Escrever nada tem de glamouroso, para ele. É um trabalho árduo, e envolve "muito ódio de mim mesmo, muito desespero, muita esperança e muito esforço incansável". Quanto às suas casas, ele já as tinha desde muito antes das temporadas de esqui dos astros de cinema e das temporadas costeiras dos magnatas de Wall Street, e de qualquer forma são ambas bem modestas.

Por sorte, Salter não é um sujeito invejoso, pelo menos não quanto às coisas materiais. "Eu estava conversando com meu filho outro dia, sobre iates e dinheiro", ele diz. "Estávamos falando de um homem estupendamente rico, com uma tripulação de 10 pessoas em seu iate. Meu filho estava me contando quanto custa encher o tanque do barco. Bem, eu não conseguiria escrever uma linha em um barco como aquele. Não estou equipado para viver dessa maneira. Meus requerimentos parecem muito mais modestos".

A "New Yorker" o acusou de nostalgia por uma forma de vida que ficou no passado (acusação baseada no fato de que ele definiu black tie como traje para os convidados de uma festa de Ano Novo em sua casa, certa vez). Mas esse não é o caso, de forma alguma. Como poderia ser? "Não sinto nostalgia por essa forma de vida, porque a vivo", ele diz, gesticulando na direção dos livros em sua estante, das fotos em sua parede (estou conversando com ele em Bridgehampton). Sua opinião sobre a cultura norte-americana? "Ficou mais ruidosa, mas provavelmente não ficou pior".

Salter há muito se sente desconsiderado, negligenciado, e tem dúvidas sobre sua reputação e sobre o lugar que a História reservará ao seu trabalho. Com a publicação de "All That Is", porém, ele vem desfrutando de um bom momento: críticas positivas; a atenção da "New Yorker", que por muitos anos se recusou a publicar seus contos; uma seção de leitura lotada, com Richard Ford, na YMCA da rua 92, em Manhattan ("cerca de 500 espectadores", ele diz, arregalando os olhos).

Em Londres, onde seu livro sairá este mês, a editora vai oferecer uma pequena festa ao escritor. A edição britânica do romance já surge coberta de elogios por John Banville e Julian Barnes. Muitos escritores alegam não ler as críticas a seus livros, mas Salter não está entre eles. "Se você entrasse em um bar no dia da publicação e ouvisse pessoas cochichando sobre seu livro, se interessaria, não?", ele diz. "Afinal, pode ser que gostem. Isso acontece, ocasionalmente". As últimas semanas, portanto, foram oxigênio puro para ele.

"O poder do romance enfraqueceu, na cultura da nação", Philip Bowman pensa perto do final de "All That Is". "Aconteceu gradualmente. Foi algo que todos reconheceram e ignoraram. Tudo continuou exatamente como antes, e essa é a parte bonita da história. A glória esmaeceu, mas caras novas continuaram a aparecer, querendo ser parte da coisa, estar no ramo editorial, que reteve uma sugestão de elegância, como um belo e reluzente par de sapatos cujo dono está falido". É essa a opinião de Salter? "Bem, é o que eu pensava até ontem", ele diz.

"Mas depois comecei a ler um longo artigo na internet e achei que talvez fosse uma ideia meio pomposa. Na internet, todo mundo escreve. Há um grande florescimento da escrita. Assim, eu talvez esteja errado. Talvez não tenha refletido com o devido cuidado. Mas isso de qualquer jeito não se aplicaria ao tipo de trabalho editorial que Bowman faz. Ir à Knopf (a editora de elite que publica Salter nos Estados Unidos) hoje não é como ir à Knopf 50 anos atrás. O mundo está mudando."

Ele acredita que os britânicos estejam, equivocados em sua fixação com a ideia do "grande romance americano". Esses livros surgem por sorte, coincidência ou oportunismo. "Os Estados Unidos tiveram alguns grandes escritores, por obra do acaso", ele diz. "Não vou classificá-los em um ranking..." (Ele sorri zombeteiramente.) "Eram grandes, exóticos, satisfatórios. Surgiram muitos deles. A tradição de vocês continua. A literatura da Inglaterra é incomparável. Mas o centro muda, de vez em quando. Não é permanente. Não tem qualquer relação com o declínio nacional, ou a importância nacional. Você só tem sorte, como país, por ter diversos desses escritores ao mesmo tempo".

De qualquer forma, quem tem o direito de dizer quem é grande e quem não é? Só o tempo poderá julgar. "Cheever está em relativo eclipse, no momento, mas isso pode não perdurar. Você tem sorte se um de seus livros permanece em catálogo durante 30 ou 40 anos. Os escritores querem uma garantia de que serão lidos no futuro, e adoraríamos fornecê-la. Mas é impossível".

Ainda assim, grandeza era uma de suas preocupações originais. Foi a ideia dela que o fez começar. "Eu sempre soube que escrever um romance era algo de grande". James nasceu Horowitz, em 1925, filho único de uma família de Nova Jersey. Sua família nada tinha de literário. O pai, George, trabalhava com imóveis; a mãe, Mildred, provinha de Washington e na juventude havia sido bonita e animada ("o desgaste veio mais tarde"). A família se transferiu a Nova York quando ele tinha dois anos; o jovem James fez o segundo grau no Bronx, na mesma escola que Jack Kerouack, que estava dois anos adiante dele. Escrevia "poemas horríveis" e jogava futebol americano.

O plano era estudar em Stanford, pelo menos na cabeça de Salter. Mas seu pai, que havia estudado na academia militar de West Point e se formado em primeiro lugar em sua turma, tinha outra ideia. Salter foi sutilmente pressionado. "Eu sabia que era aquilo que meu pai queria que eu fizesse, acima de tudo. Aos 17, vaidoso e estragado por maus poemas, eu estava pronto para me matricular na distante West Point, onde a expectativa era de que tivesse o mesmo sucesso que ele".

Ele escreve convincentemente sobre o seu despreparo para aquela forma de educação, em "Burning the Days" --o drama chocante do processo, e seu notável (para mim) estoicismo. "Era uma escola impiedosa, uma forja. Entrar significava ingressar no inferno, já desde o primeiro dia. Demandas, muitas das quais incompreensíveis, choviam sobre você. Sempre em posição rigorosa de sentido, o cabelo rapado regularmente, o queixo recolhido e trêmulo, as ordens latidas por vozes invisíveis - nós estávamos sempre em pé ou correndo como insetos de um lugar para outro". Era um lugar de sinos tilintando, gritos, ordem unida: "A sensação de ser parte de uma jornada sem esperança, de um exílio que duraria anos". E você nunca estava sozinho: "Era isso, acima de tudo, que marcava aquela vida". Para um escritor, uma coisa difícil.

INCOMPETENTE

No começo, ele se mostrou relutante, e até incompetente. Mas no segundo ano as coisas melhoraram; o sistema o havia domado, ou ele havia abraçado o espírito da instituição --Salter mesmo não sabe responder. Depois de ser aprovado em um exame de vista, ele entrou para o corpo aéreo do exército, no qual aprendeu a pilotar. Era um bom piloto, mas passou por um desastre logo no começo do processo. Ao pôr do sol, no dia em que a Segunda Guerra Mundial terminou na Europa, ele decolou em um voo solo de navegação; Salter e os outros 15 estudantes que participavam do exercício receberam informações deliberadamente incorretas sobre o vento. A noite caiu, e ele percebeu que estava perdido.

O combustível logo estava perto do fim. Só restava tentar uma aterrissagem de emergência, em um espaço que ele achou ser um parque. Mas quando acendeu as luzes de aterrissagem, logo percebeu ter cometido um erro. "Algo passou pela minha visão, à esquerda. Árvores, no meio do parque. Mal consegui me desviar delas. Impossível pousar". Um momento mais tarde, mais árvores. O som de folhas roçando sua asa foi seguido em breve pelo som da asa sendo arrancada. "O avião corcoveou, se manteve equilibrado por um longo momento, e uma das luzes de aterrissagem iluminou a casa contra a qual o aparelho colidiu um instante mais tarde".

Por sorte, a família que vivia lá havia corrido para fora ao ouvir o avião (acharam que o voo fosse uma saudação, porque estavam recebendo de volta um filho que havia sido prisioneiro de guerra na Alemanha). Ninguém se feriu. Mas Salter causou impressão entre os moradores de Great Barrington, Massachusetts. Anos mais tarde, ele recebeu um cartão postal não assinado, carimbado pelo correio da cidade, com a mensagem "continuamos a rezar por você, aqui".

Depois da guerra, ele se tornou piloto de aviões de transporte e serviu em Manilha e Honolulu, onde se apaixonou pela mulher de outro oficial, seu melhor amigo. Depois, em 1951, foi promovido à pilotagem de caças a jato. Logo em seguida, se apresentou como voluntário para servir na guerra da Coreia. Dias de glória, "o reino há muito almejado". Impossível escolher, entre as cristalinas descrições de "Burning the Days", uma linha para citar. Todas as sentenças são fantásticas. Mas se eu tivesse de escolher, optaria por um trecho no qual Salter relata seu combate com um MiG inimigo, o único avião que ele abateu.

"Ele faz um tunô abrupto e eu o sigo, como se os dois tivéssemos pulado de um muro". Que imagem, as fantasias de um menino incorporadas a algo de tão grave, tão adulto. Em "Burning the Days", Salter escreve que sentia ter nascido para pilotar caças. Mas talvez o que ele queira dizer é que, de todos os seus colegas, ele seria o único a conseguir descrever em palavras aquela sensação, a incompreensível emoção que ela causava.

Em serviço, ele mantinha um diário. Mais tarde, transferido para a Alemanha, transformou as anotações no romance "The Hunters". Escrevia em segredo. "Bem, talvez isso seja exagero. Segredo faz parecer que a escrita fosse algo de vergonhoso, ou uma traição. Prefiro dizer que escrevia em modo privado. Seria uma descrição mais precisa. Porque livros e escritores não eram estimados". E ele tampouco usou seu nome real --foi assim que James Salter surgiu. Quando o romance foi aceito para publicação, em 1956, ele só contou à mulher ("uma virginiana nascida na região equestre do Estado", com a qual ele teve quatro filhos), e mais tarde, quando o romance foi publicado como folhetim por uma revista, ele fingiu inocência.

"Quando terminar, me empreste", ele disse a um piloto que lhe havia recomendado o livro. Salter insiste em que ainda não havia decidido que se tornaria escritor (àquela altura, ele estava para ser promovido a comandante de um esquadrão); o que ele desejava era apenas escrever aquele romance específico.

"Eu queria ser muito admirado [como autor de 'The Hunters'] mas continuar desconhecido", diz. Mas alguma coisa estava mudando nele. "A compulsão de voar desapareceria, eu sabia disso. A promessa da compulsão de escrever estava me enviando sinais. Só tomei a decisão depois de o livro ser publicado. Foi então que descobri que era possível. Lembro com muita clareza daquela época. Tinha confiança, mas estava completamente sem rumo". Só quando os direitos de adaptação para o cinema foram vendidos --o filme foi estrelado por Robert Mitchum e Robert Wagner-- ele renunciou à sua comissão na força aérea, uma separação que descreveu como "pior que um divórcio, emocionalmente".

Salter e a mulher se radicaram à margem do rio Hudson, no Estado de Nova York (o cenário para "Light Years"). Ele escreveu outro romance sobre a força aérea ("The Arm of Flesh", mais tarde republicado como "Cassada"), mas em seguida veio uma espécie de hiato. Só em 1967 ele publicaria seu próximo livro importante, "A Sport and a Pastime", e "Light Years" só sairia em 1975. Havia distrações. Ele e Lane Slate, um roteirista de TV a quem havia conhecido quando foi à sua casa para convencê-lo a comprar uma piscina (trabalho que Salter fazia como bico), filmaram juntos um curta-metragem sobre futebol, "Team, Team, Team", que inexplicável e miraculosamente foi premiado como melhor filme em sua categoria no Festival de Veneza de 1962 --e com isso, ele logo se tornou roteirista. O novo trabalho o levou a ser apresentado a Robert Redford, para o qual mais tarde escreveria o roteiro de "Downhill Racer", um filme sobre o circuito de esqui alpino.

DESÂNIMO

Seu último roteiro para o cinema foi "Solo Faces", sobre alpinismo, esporte que ele começou a praticar para fins de pesquisa. Mas Redford recusou o projeto, e Salter terminou por transformar o texto em um romance --o último que publicou antes de "All There Is" (saiu em 1979). "Desperdicei meu tempo escrevendo filmes", ele diz agora. "Não considero ter perdido aqueles anos, mas não é o que eu deveria ter feito. Eu gostaria de ter escrito mais [romances], sim. A maioria dos escritores consegue escrever três vezes mais livros que eu e ainda assim ter uma vida".

Os anos seguintes foram complicados. "A Sport and a Pastime", livro baseado em um caso de amor que Salter teve na França no começo dos anos 60, não encontrou editora, talvez porque contivesse muito sexo. Por fim, George Plimpton, o editor da "Paris Review", publicou o romance com a marca da revista, mas menos de três mil cópias foram vendidas. "Light Years" vendeu cerca de oito mil cópias, e as críticas foram contraditórias --ainda hoje, as pessoas ou amam ou odeiam o livro, se bem que seja necessário desconfiar de quem o odeie--, e isso desanima o autor; Salter tinha grandes esperanças quanto ao romance. Em 1980, cinco anos depois do divórcio de Salter (o casamento parece ter sido um doloroso erro desde o início), ele encontrou a filha Allan morta no chuveiro de uma cabana ao lado de sua casa em Aspen; ela morreu por eletrocussão.

"Jamais consegui escrever sobre isso", ele conta em "Burning the Days". "Chego a um determinado ponto e não consigo prosseguir. Pode-se recitar a morte de um rei, mas não a de um filho". Ao longo do caminho, outros horrores: em 1967, ele estava assistindo televisão quando surgiu a notícia de um incêndio na Apollo 1. Gus Grissom e Edward White, dois dos astronautas mortos no incêndio, haviam voado com Salter na Coreia. "Alguma coisa ficou presa no meu peito, um sentimento que eu não conseguia engolir... a cápsula se havia tornado um relicário, uma fornalha. Eles aspiraram fogo, seus pulmões se tornaram cinza".

Mas as coisas mudariam nos anos 80. Em Aspen, Salter conheceu uma escritora 20 anos mais moça, Kay Eldredge. Ela se encantou com ele, e apareceu em sua casa alegando ter perdido uma pulseira. "Ideia bem básica", ele diz, "mas muito astuta". E romântica! "Sim, romântica". Funcionou? "Sim, pedi o telefone dela". Os dois tiveram um filho, em 1985, e se casaram anos mais tarde. "Um casamento longo --muito cúmplice, muito grandioso. Não sei o que mais alguém pode querer". "All That Is" é dedicado a Eldredge.

Em 1989, "Dusk and Other Stories", uma coletânea de contos de Salter, conquistou o prêmio PEN/Faulkner. "A Sport and a Pastime" e "Light Years" foram republicados. A reputação de Salter como "escritor que os escritores amam" (o que quer que isso queira dizer) começou a ganhar força. Havia o vislumbre de uma luz no fim do túnel, afinal. No começo deste ano, ele recebeu o prêmio Windham Campbell, da Universidade Yale, em valor de US$ 150 mil. Será que vai parar de escrever, agora, como Roth alega ter feito? Não. "Mas nunca mais vou escrever um livro em que haja um ato sexual. É o que as pessoas esperam, agora". Na verdade, ele não está certo de que continuará a escrever. "O cérebro sempre fica, mas escrever um livro requer energia e desejo". E a ideia de que essas duas coisas podem lhe faltar fica pendendo sobre a conversa, sem que seja expressa.

Depois do fim da conversa, Salter me leva para almoçar em um restaurante próximo, antigamente frequentado por Truman Capote, cuja foto decora o bar. "Somos só amigos", ele diz, sorrindo, para a garçonete. Quando ele pede uma omelete de claras e expresso minha surpresa por algo assim existir, Salter pede que eu não o faça parecer obcecado com a saúde, em meu texto. "Isso é o que os velhos comem", ele diz, rindo baixo (e não é algo que eu pretenda fazer; tenho "Life is Meals: A Food Lover's Book of Days", livro de gastronomia que ele escreveu com Eldredge; Salter é uma espécie de bon vivant, em surdina).

Depois ele me oferece uma escolha entre sorvete ou um passeio pelo local. Escolho o passeio, e é assim que vejo a casa --cinza pombo, com uma torre digna de um castelo de conto de fadas-- em que Nora Ephron vivia enquanto foi casada com Carl Bernstein. Salter é uma companhia divertida, arrojado e divertido, e é difícil sair de perto dele. Do ponto de ônibus do qual embarcarei para Manhattan, aceno vigorosamente na direção do carro, quando ele se vai. Mas Salter não está olhando em minha direção. Tem os olhos na estrada. Parece determinado --estoico, ou talvez possamos dizer heroico-- como sempre.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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