Folha de S. Paulo


Justin Fashanu e a homofobia que persiste no futebol

Nos anos 80 e 90, quando meu tio Justin Fashanu (morto em 1998) jogava futebol na Inglaterra, o preconceito e a discriminação marcavam pesadamente a sociedade. Ele cresceu em um ambiente no qual a homossexualidade continuava a ser tabu, muito antes de o casamento gay ser uma ideia aceitável.

Quando ele assumiu ser homossexual, em uma entrevista a um jornal em 1990, se tornou o primeiro --e até agora único-- jogador profissional britânico a declarar abertamente sua homossexualidade. (O norte-americano Robbie Rogers, que jogou pelo Leeds, deixou o futebol britânico no começo deste ano, quando revelou ser gay.)

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Muita coisa mudou na sociedade nas mais de duas décadas desde que Justin saiu do armário. A sociedade lentamente removeu o véu que encobria esse assunto proibido, e os homossexuais encontraram seu espaço em todas as áreas da vida. Os sentimentos de vergonha e de medo desapareceram. No entanto, o futebol parece em larga medida inalterado. Por quê? Essa pergunta ressurgiu na semana passada quando Jason Collins, jogador de basquete nos Estados Unidos, assumiu ser homossexual.

É um sinal de progresso, mas dificilmente de boa saúde --ele é o primeiro jogador em atividade, em qualquer dos grandes esportes profissionais norte-americanos, a assumir sua preferência homossexual.

Tendemos a nos ver como mais avançados em matéria de sexualidade, no Reino Unido, mas tive algumas conversas recentes nas quais as pessoas tentavam distinguir entre diferentes tipos de discriminação. Um argumento comum é que o racismo é pior que a homofobia, porque as pessoas não escolhem sua raça. O que muita gente não compreende é que pessoas como o meu tio não escolhem ser alvo de insultos e de agressões. Ele não escolheu ser "diferente". E foi corajoso o suficiente para encarar o mundo.

O futebol resistiu a mudanças que o resto da sociedade aceitou. Talvez a chave esteja em que o esporte seja visto como "coisa para homens de verdade". A imagem estereotípica de um "homem de verdade" - que muitos torcedores de futebol talvez tenham em suas cabeças quando vestem as cores de seus times - é a de uma pessoa determinada, agressiva. Talvez nas arquibancadas a imagem de um homem homossexual seja a de alguém gentil, cheio de risinhos tolos, feminino.

Chegou a hora de as autoridades de futebol e os jogadores, igualmente, enfrentarem o problema central. Precisamos de mais jogadores como Anders Lindegaard, goleiro do Manchester United, que criticou os torcedores de futebol por "estarem presos a uma era de intolerância". Lindegaard, que é heterossexual, escreveu em seu blog que "evidentemente existe um problema se jovens homossexuais que amam o futebol precisarem deixar o exporte porque se sentem excluídos". Sua conclusão era a de que o futebol precisa de um "herói, alguém que ouse defender sua opção sexual".

Mais incentivos de combate à discriminação precisam ser adotados pelos clubes e estádios. Precisamos mudar a mentalidade dos torcedores quanto ao que é "um homem de verdade", especialmente no que tange ao esporte. Os atletas homossexuais não deveriam ter uma vida na qual são celebrados apenas por suas realizações em campo. Precisam que seus torcedores, colegas de equipe, famílias e treinadores sejam capazes de aceitá-los e celebrá-los também pelo que são fora de campo.

AMAL FASHANU apresentou "Britain's Gay Footballers", documentário da BBC sobre a homofobia no futebol.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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