Folha de S. Paulo


crítica

Coletânea 'Do Éden ao Divã' realça sarcasmo do humor judaico

DO ÉDEN AO DIVÃ - HUMOR JUDAICO (muito bom)
AUTORES vários
ORGANIZAÇÃO Moacyr Scliar, Patricia Finzi e Eliahu Toker
TRADUÇÃO Natalio Mazar, Ayala Kalnicki e Suzana Spíndola
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59,90 (248 págs.)

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O milionário Rothschild, de passagem por Minsk, na Polônia, entra num café judaico e pede dois ovos, pelos quais o garçom quer lhe cobrar 20 rublos. "Vinte rublos por dois ovos? São tão raros os ovos neste lugar?" "Ovos não, mas os Rothschild são!"

Essa anedota, apenas uma entre centenas de histórias, ditados, provérbios e historietas do livro "Do Éden ao Divã", é uma amostra do misterioso humor judaico, que, em doses desproporcionais, mistura ironia, melancolia para que os judeus riam, basicamente, de si mesmos.

O mistério é múltiplo: por que é tão engraçado rir de si mesmo? Como a melancolia pode ser tão engraçada? Por que um povo tão perseguido desenvolveu uma cultura humorística tão complexa e variada?

Por onde quer que tenha havido vida judaica –na Europa Ocidental e Oriental, nas Américas, na Rússia, nos países árabes, em Israel– e em qualquer tempo –dos textos bíblicos ao cinema americano– criam-se personagens, cenas, gestos e uma linguagem humorística particulares.

O bobo, o sonhador, a mãe judia, os vários tipos de mendigos, o milionário, o ladrão (o submundo judaico existe e é um mundo à parte), o intelectual; o trem, os restaurantes, o tribunal, o comércio, as pequenas aldeias, as grandes cidades.

Reunida por Moacyr Scliar, Patricia Finzi e Eliahu Toker e dividida por regiões e temas, essa coletânea histórica e geográfica do humor judaico não mereceria uma resenha, mas uma cópia literal de várias de suas piadas, pela forma como fazem rir ao mesmo tempo em que ativam a nostalgia e o espanto.

Não é preciso ser judeu para reconhecer a graça dolorida de quem ri da própria desgraça; um traço bastante identificável pelos brasileiros.

Também não é difícil associar a malandragem caracteristicamente judaica a personagens como Leonardinho ou Macunaíma e certa tolice sábia dos bobos judaicos a alguém como Macabéa.

E, quem sabe, o humor brasileiro também possa se espelhar num procedimento próprio às duas culturas –praguejar– e acabe adotando algumas para o nosso uso cotidiano: "Que um devore o outro e que os dois se engasguem"; "Que tenha dez barcos carregados de ouro e gaste tudo em médicos" ou "Que tenhas em tua casa dois empregados: que um saia gritando: 'Um médico!', e que o outro vá atrás dizendo: 'Não precisa, é tarde demais!'".

NOEMI JAFFE é crítica literária e escritora, publicou "Não Está Mais Aqui Quem Falou" (Companhia das Letras)


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