Folha de S. Paulo


Gafe, abusos sexuais e debate racial marcaram o cinema em 2017

Kevin Winter/Getty Images/AFP
O produtor Justin Horowitz ('La La Land') entrega o Oscar ao diretor Barry Jenkins ('Moonlight')
O produtor Justin Horowitz ('La La Land') entrega o Oscar ao diretor Barry Jenkins ('Moonlight')

O ano que está chegando ao fim fulminou o homem branco no cinema. Isso não significa que Hollywood tenha deixado de ser comandada por sujeitos com essas características, mas o primado deles balançou muito em 2017.

Nomes outrora poderosos nessa indústria, Harvey Weinstein, Kevin Spacey, Louis C.K. e outras dezenas sucumbiram sob o peso de denúncias de assédio sexual.

O primeiro deles, produtor que lapidou os talentos de Quentin Tarantino e Steven Soderbergh, era protegido por uma intrincada rede de silenciamento que abarcava gente do cinema, empresários e até jornalistas. Foi o que ajudou Weinstein a escamotear décadas de abusos cometidos contra pelo menos 84 mulheres (ao menos, esse é o número das que o acusam).

Num dos relatos mais pungentes, a atriz mexicana Salma Hayek afirma que foi forçada pelo produtor a fazer cenas de sexo lésbico com nu frontal em "Frida" (2002). "Minha mente entendia que eu tinha de fazer, mas meu corpo não parava de chorar e convulsionar", escreveu em artigo no "New York Times".

A mais aguerrida das acusadoras, a atriz Rose McGowan apontou o dedo para Meryl Streep e a chamou de hipócrita por aderir ao ato contra o assédio que deve ocorrer no próximo Globo de Ouro. Na cerimônia, as mulheres cogitam ir todas vestidas de preto em protesto.

"Seu silêncio é o problema. Desprezo sua hipocrisia", disse McGowan. A politizada Streep respondeu que não soube dos assédios quando trabalhou para Weinstein.

OSCAR MENOS BRANCO

O império dos homens brancos também foi sacudido em outras frentes. O filão dos filmes de super-herói, tradicional terreno de machões musculosos, foi encabeçado por uma moça neste ano. "Mulher-Maravilha", que entrega o feminismo em uma embalagem pop, foi o filme mais visto do gênero no ano.

Acabou dando brecha para virem mais filmes de super-herói protagonizados por minorias: Brie Larson fará a Capitã Marvel e Chadwick Boseman protagonizará "Pantera Negra", sobre o poderoso príncipe de um reino africano.

Mesmo a Disney, mais conservadora, mais família, ensaiou seus primeiros passos e incluiu personagem gay em "A Bela e a Fera", campeão de bilheteria nos Estados Unidos.

Também não foi um sujeito branco, mas negro, o responsável por recuperar o apreço nos filmes de terror. Com "Corra!", grande surpresa do ano, o diretor Jordan Peele tirou o horror do limbo teen e alienado em que havia circulado nos últimos anos, e embutindo um tema urgente: a tensão racial.

Já o Oscar, que em 2016 teve uma de suas edições menos diversas, se corrigiu em 2017 e premiou intérpretes negros em categorias de atuação. Simbólica, inclusive, a gafe que marcou a cerimônia e tirou o prêmio principal do romance branco e heterossexual "La La Land" e o deu a "Moonlight", feito só com atores negros e sob temática gay.

NO BRASIL

A tônica racial também respingou no Brasil, país em que 98% dos cineastas são brancos, embora metade da população se declare negra ou parda, segundo uma pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. No Festival de Brasília, o drama sobre a escravidão "Vazante", de Daniela Thomas, acabou questionado por espectadores negros.

A profusão de críticas é reflexo de uma produção que ficou mais politizada após o impeachment e os repetidos coros de "Fora, Temer" que pipocam desde o ano passado. Ao contrário do que se deu em outras áreas da cultura, no cinema nacional os boicotes vieram da esquerda.

A escalação de "O Jardim das Aflições", sobre o pensador conservador Olavo de Carvalho, provocou debandada de diretores no festival Cine PE, em maio, no Recife. Na mesma cidade, em outubro, a exibição do filme na Universidade Federal de Pernambuco terminou em pancadaria.

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HOLLYWOOD EM 5 NÚMEROS

47 homens (pelo menos)
Foram acusados de assédio sexual e estupro após despontarem as primeiras denúncias contra o produtor Harvey Weinstein. A lista inclui Kevin Spacey, Bryan Singer, Louis C.K. e outros nomes importantes da indústria

11 anos
Foi o período em que Hollywood ficou sem ter um verão tão ruim em termos de bilheteria. Época dos blockbusters, o meio do ano foi o pior da década para Hollywood, que amargou fracassos como 'Valerian', 'Rei Arthur' e 'A Múmia'. Já a China solidificou a sua posição como o grande alvo dos estúdios para o futuro

52,4 bilhões de dólares
Foi o valor que a Disney pagou para adquirir ativos dos estúdios da Fox que incluem a sua divisão de filmes e marcas como 'X-Men', 'Avatar' e 'Planeta dos Macacos'. A compra faz parte da estratégia do grupo do Mickey de se firmar no mercado de streaming e competir com as gigantes Amazon e Netflix

143 segundos
Foi o tempo que 'La La Land' manteve o título de vencedor do Oscar de melhor filme até que 'Moonlight' fosse corretamente anunciado. A gafe sem precedentes na história da premiação foi culpa de Brian Cullinan, funcionário que, enquanto tirava selfies, se embananou e deu o envelope errado aos apresentadores

2 filmes
Foram as obras da Netflix que criaram polêmica em Cannes ao serem selecionados para competir. Foi o caso de 'Okja'. As exibidoras chiaram, Pedro Almodóvar disse que não daria a Palma de Ouro a eles, e o festival bateu o martelo: Netflix só voltará caso se comprometa a lançar os filmes no cinema

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CINEMA BRASILEIRO EM 5 NOMES

Sergio Moro
E a Operação Lava Jato inspiraram o thriller 'Polícia Federal', que se tornou o campeão nacional do ano, com público de 1,3 milhão de pessoas

FHC
É personagem de 'Real', sobre os bastidores da implantação da moeda. O longa gerou piadinhas na internet, amargou prejuízo e só arrecadou 10% do que custou

Kéfera
E outros youtubers não conseguiram fazer seu sucesso reverberar no cinema. E as comédias, outrora salvação da bilheteria,bambearam e não bateram a marca do milhão de público.

Daniela Thomas
Dirigiu o drama histórico 'Vazante', que foi criticado no Festival de Brasília pelo retrato que seu filme fez dos personagens negros

Olavo de Carvalho
Virou mote do documentário 'O Jardim das Aflições', de Josias Teófilo, que acabou perseguido por cineastas e espectadores de esquerda

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AS CARAS DO ANO

A mulher: Gal Gadot.
A atriz de 'Mulher-Maravilha' ajudou o longa a se tornar o mais visto de super-herói do ano

Divulgação
Gal Gadot em 'Mulher-Maravilha
Gal Gadot em 'Mulher-Maravilha'

O homem: Jordan Peele.
Com 'Corra!', o cineasta se tornou o primeiro diretor negro a ultrapassar os US$ 100 milhões em renda

Justin Lubin/ Divulgação
O diretor Jordan Peele
O diretor Jordan Peele

A assombração: Pennywise.
O vilão trouxe de volta o medo de palhaços e fez com que 'It' se tornasse o filme de terror mais visto da história

Divulgação
O palhaço Pennywise, de 'It
O palhaço Pennywise, de 'It'

O monstro: O Homem Anfíbio.
A criatura de 'A Forma da Água' fez o filme de Guillermo Del Toro vencer o Festival de Veneza

Divulgação
Cena de 'A Forma da Água
Cena de 'A Forma da Água'

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Campeões de bilheteria nos EUA
1 A Bela e a Fera: US$ 504 milhões
2 Mulher-Maravilha: US$ 412,5 milhões
3 Guardiões da Galáxia 2: US$ 389,8 milhões
4 Homem-Aranha: De Volta ao Lar': US$ 334,2 milhões
5 It: A Coisa': 327,4 milhões

Não contabiliza 'Star Wars: Os Últimos Jedi', que ainda está em cartaz

Campeões de público no Brasil
1 Meu Malvado Favorito 3: 8,9 milhões de pessoas
2 Velozes e Furiosos 8: 8,5 milhões de pessoas
3 A Bela e a Fera: 8,3 milhões de pessoas
4 Mulher-Maravilha: 7 milhões de pessoas
5 Homem-Aranha: De Volta ao Lar: 6,6 milhões de pessoas

Não contabiliza 'Star Wars: Os Últimos Jedi', que ainda está em cartaz

Os preferidos da crítica
1 Faces Places, de Agnès Varda
2 Me Chame pelo Seu Nome, de Luca Guadagnino
3 Uma Mulher Fantástica, de Sebastián Lelio
4 Dunkirk, de Christopher Nolan
5 Lady Bird, de Greta Gerwig

Segundo o site Metacritic, que compila resenhas da imprensa

Fontes: Ancine, Box Office Mojo, Metacritic


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