Folha de S. Paulo


Crítica

Karl Knausgård retoma força em 5º volume de saga autobiográfica

Keiny Andrade/Folhapress
O escritor norueguês Karl Ove Knausgård na Flip de 2016
O escritor norueguês Karl Ove Knausgård na Flip de 2016

A DESCOBERTA DA ESCRITA (ótimo)
AUTOR Karl Ove Knausgård
EDITORA Companhia Das Letras
QUANTO R$ 69,90 (632 págs.)

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Penúltimo livro da série autobiográfica de seis, "A Descoberta da Escrita" dá conta do período em que Karl Ove Knausgård viveu em Bergen, de 1988 a 2002. "Eu sabia pouco, queria muito e não conseguia nada", escreve.

"A Descoberta da Escrita" estabelece diálogo próximo com os dois primeiros volumes, "A Morte do Pai" e "Um Outro Amor", os mais bem-sucedidos até agora. Depois da inexpressividade de "A Ilha da Infância" e de "Uma Temporada no Escuro" —que acompanham, respectivamente, os anos iniciais e uma espécie de pós-adolescência—, a série recupera a força neste quinto.

A narrativa retrocede a fim de surpreender o jovem Knausgård no momento em que recebeu a notícia da morte do pai (primeiro volume). Também revela a complicada cadeia de acontecimentos que o levou de Bergen a Estocolmo (segundo volume).

Mais do que a repetição de circunstâncias, porém, certas qualidades que atraíram a atenção do público e da crítica para a série ressurgem aqui. É o caso, em especial, das considerações angustiadas de um escritor às voltas com as dificuldades do oficio.

Knausgård frequentou uma espécie de academia de escrita criativa em Bergen. Se acreditava piamente no próprio talento, ele saiu com a certeza de que o caminho seria longo.

Esperando achar encorajamento e incentivo, se viu diante das duras críticas de professores e colegas, seguidas de rejeições de publicações e editoras. Considerado fraco, o conto do autor foi o único a ser deixado de fora de uma antologia de ex-alunos da academia.

O jovem Knausgård sofria por não ser "artístico o bastante". Leitor de Cortázar, ele intuía que "não tinha fantasia nenhuma".

Não tardou a perceber que comparações com outros autores seriam inúteis. Na medida em que descreve os desafios da busca por aquilo que podemos chamar de uma voz, fica evidente que a formação do Knausgård escritor é indissociável da do Knausgård leitor.

De um rapaz que não conseguia diferenciar um bom romance de um romance comercial, se torna um ensaísta razoável com interesse por Dante e Joyce. Ao compreender as diferenças de estilo –e as próprias limitações–, acaba encontrando um registro próprio.

É essa, em parte, a busca por autenticidade de que falam os críticos.

O embate do interior com o exterior é, como nos dois primeiros volumes, invocado insistentemente aqui. Knausgård sugere que o entorno é moldado pela percepção. Assim, tanto quanto cenários e ações, ele recria um estado de espírito. É o principal feitiço do romance.

O título da série, que até aqui parecia uma provocação vazia ao reproduzir o do livro abjeto de Adolf Hitler, começa a ganhar um novo sentido.

A Descoberta da Escrita
Karl Ove Knausgård
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Como os dois primeiros volumes, este é feito de descrições do equilíbrio perdido e recuperado, da troca constante com o meio e com o outro. Essa é a luta de Karl Ove Knausgård.

"Por ser a realização de um organismo em suas lutas e conquistas em um mundo de coisas", disse o filósofo pragmatista John Dewey, "a experiência é arte em estado germinal."

Knausgård tem a grande sacada de transformar diversas experiências prosaicas —quase sempre narradas de forma simples, crua— em boa arte.


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