Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Em show bem tramado, Chico Buarque responde aos 'haters'

CHICO BUARQUE: CARAVANAS (muito bom)
BELO HORIZONTE 16 e 17/12, no Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537); ingr.: R$ 320 a R$ 490; livre
RIO de 4/1 a 4/12, no Vivo Rio (av. Infante Dom Henrique, 85); ingr.: R$ 240 a R$ 490; 18 anos
SÃO PAULO de 1º/3 a 22/4, no Tom Brasil (r. Bragança Paulista, 1.281); ingr.: R$ 240 a R$ 490; 14 anos

*

Nos seis anos que passou longe da música, até o lançamento de "Caravanas", em agosto, Chico Buarque, 73, se viu dragado pela radicalização política do país, virando um dos alvos preferenciais da direita raivosa.

Agora, como ele mostrou na quarta (13), na estreia de seu novo show, em Belo Horizonte, chegou a hora do troco –em cima do palco. Mas não em clima de comentarista de internet: com classe, com ironia, com boa música.

Já na abertura, retardada por um dos muitos problemas técnicos da noite, o cantor se valeu de uma inédita em seus shows –o clássico "Minha Embaixada Chegou", de Assis Valente– para avisar que "meu povo pede licença / pra na batucada desacatar".

Ela veio emendada com "Mambembe", na primeira das três partes dedicadas ao samba, e seguida por uma versão jazzística de "Partido Alto". "Mas se alguém me desafia / e bota a mãe no meio / Dou pernada a três por quatro / e nem me despenteio / Que eu já tô de saco cheio", declamou Chico, cantando a estrofe final como quem dá um aviso.

Foi a senha para uma das muitas explosões de palmas ao longo das 29 músicas de um roteiro bem urdido, que incluiu as nove canções de "Caravanas", conectando-as temática e melodicamente com o resto da obra buarquiana.

Um exemplo: o resgate da versão de "Iolanda", do cubano Pablo Milanés, teve como gancho o bolero "Casualmente" (Chico/ Jorge Helder), com letra bilíngue falando de Havana e escrita para a cubana Omara Portuondo.

Ao longo da apresentação, o artista saudou os parceiros cujas composições interpretava, como Tom Jobim ("Retrato em Branco e Preto" e "Sabiá") e Edu Lobo ("A Moça do Sonho", "A História de Lily Braun", "A Bela e a Fera").

As parcerias foram alguns dos momentos mais singelos, em especial as com Cristóvão Bastos (as românticas "Todo o Sentimento" e "Tua Cantiga").

O astro guardou suas maiores deferências para seu neto Chico Brown, com quem fez a valsa "Massarandupió", e para o sambista Wilson das Neves, ex-baterista de sua banda, morto em agosto, a quem o show foi dedicado.

Dele, Chico mostrou "Grande Hotel" (com letra sua), já no descontraído trecho final do show, quando vestiu um chapéu Panamá e arriscou até uma sambadinha.

Foi nesse clima que o inevitável "fora, Temer" surgiu na plateia. "E é pouco", respondeu Chico, antes de divertir seus fãs falando das "pessoas finas" que o xingam em suas caminhadas pelo Rio.

Foi um show bonito e bem tramado, ainda que não tão bem executado em sua estreia. Certamente ganhará corpo e repercussão na estrada.

Com ele, Chico mostrou que ainda é um dos artistas fundamentais do país. Talvez a beleza de sua obra não tenha mais a capacidade de unir esse Brasil cindido. Mas, nesse caso, que os cães ladrem: a caravana vai seguir em frente.


Endereço da página:

Links no texto: