Folha de S. Paulo


O destino de 'Star Wars: Os Últimos Jedi' está nas mãos de Rian Johnson

O Skywalker Ranch, estabelecido por George Lucas em dois mil hectares de terra no condado de Marin, Califórnia, não é um templo dedicado aos filmes da série "Star Wars".

O silencioso complexo não ostenta uma estátua gigantesca de Yoda ou murais sobre a Estrela da Morte. Se você não estivesse prestando atenção, nem perceberia que Rian Johnson, diretor e roteirista de "Star Wars: Os Últimos Jedi", que sai em 15 de dezembro, estava tomando café em uma das casas de hóspedes do complexo, certa manhã de agosto.

Johnson estabeleceu suas credenciais no gênero ao escrever e dirigir "Looper: Assassinos do Futuro", um filme noir sobre viagens no tempo, e ao dirigir séries de TV como "Breaking Bad".

Agora, ele recebeu o bastão de J. J. Adams, que revigorou o universo de Star Wars com "O Despertar da Força".

O filme em questão, lançado em 2015 e muito bem sucedido, iniciou uma nova aventura para Luke Skywalker (Mark Hamill) e a princesa (agora general) Leia (Carrie Fisher), e introduziu a enigmática Rey (Daisy Ridley) e seu ameaçador inimigo Kylo Ren (Adam Driver).

"Star Wars" representa um patrimônio gigantesco, e Johnson, 43, é um sujeito de fala mansa e modos gentis. Mas, no momento, o destino desse patrimônio está nas mãos dele, e Johnson se declarou livre para fazer o filme que deseja.

Não houve imposições da parte de Abrams ou Kathleen Kennedy, a presidente da Lucasfilms, que não hesitou em pedir mudanças em "Rogue One: Uma História Star Wars" ou no filme sobre Han Solo que está para ser lançado, ou em "Star Wars: Episódio Nove".

Durante um intervalo na edição de som do filme, Johnson falou sobre "Os Últimos Jedi", sobre novos e velhos personagens de Star Wars, e sobre a morte de Fisher, em dezembro.

Abaixo, trechos editados dessa conversa.

*

"The New York Times" - Qual a importância para você dos filmes originais da série Star Wars?

Rian Johnson - Star Wars foi tudo para mim. Quando eu era menino, você só tinha a chance de ver os filmes uma ou duas vezes, mas eu brincava com os produtos da marca no meu quintal —naquele momento em que você começa a contar histórias em sua mente.

Foi tão comovente entrar no estúdio com o cenário do Millenium Falcon. Todo mundo tinha uma réplica da nave, quando eu era menino. E de repente você está dentro dela. Há um tremor de irrealidade nessa hora.

Como você soube que estava sendo considerado para escrever e dirigir um novo filme da série Star Wars?

Recebi a notícia completamente de surpresa. Mesmo. Eu tinha conversa genericamente com Kathleen Kennedy quando ela assumiu a Lucasfilms. Presumi que todos cineastas do planeta estariam disputando a oportunidade de fazer um novo filme de Star Wars.

E aí recebi a notícia, de surpresa. Foi como se uma bomba tivesse estourado. Percebi de repente que aquele era o assunto da reunião. Nem tentei esconder que estava abismado. Mas perguntei se podia pensar a respeito.

Por que a hesitação?

Depois de "Looper: Assassinos do Futuro", fui contatado pelos realizadores de outras séries de filmes conhecidos, e me acostumei a dizer não. E eu sabia que aquilo significaria muito para mim. O pior que posso imaginar é ter uma má experiência dirigindo um filme da série Star Wars.

Você acha que Kennedy ficou surpresa por você não aceitar de imediato?

Ela ficou ligeiramente confusa, acho. Nos dias seguintes, não consegui dormir. Decidi fazer uma lista de prós e contras, mas a verdade é que foi uma decisão que veio do coração. Não havia como não fazer esse filme.

Que proporção da história de "Os Últimos Jedi" foi ditada a você, quer pelos acontecimentos de "O Despertar da Força", quer pela Lucasfilms?

Eu tinha imaginado que haveria um grande mapa na parede com a história toda delineada, mas não foi assim. Eu basicamente recebi o roteiro do episódio sete ("O Despertar da Força"), e vi o material diário das filmagens de J. J. E só tive de pensar para onde ir, partindo daquilo. Foi maravilhoso.

Ou seja, não há ninguém que lhe diga que o filme tem de conter determinados elementos de trama, ou que certas coisas precisam ser realizadas antes do fim?

Nada desse tipo. Mas é o segundo filme em uma trilogia. O primeiro filme levou os personagens a um determinado lugar. O segundo precisa apresentar desafios a esses personagens.

Eu queria que a experiência do filme fosse satisfatória mesmo isoladamente. Não queria que o filme terminasse em reticências e um ponto de interrogação.

Que inspiração você extraiu do material diário de filmagens de "O Despertar da Força"?

Rey e Kylo são quase quase que as duas metades do nosso protagonista. Não é que Kylo seja nosso Vader. Na trilogia original, Vader é o pai —é dele que você tem medo, e é a aprovação dele que você quer. Enquanto Kylo representa raiva e rebelião, o desejo —às vezes saudável, às vezes não— de se desligar dos pais. É meu tipo favorito de, entre aspas, vilão, porque é possível perceber genuinamente qual é sua fraqueza.

"O Despertar da Força" deixou muitas perguntas importantes sem resposta. Quem são os pais de Rey? Por que Luke fugiu? Quem é o vilão misterioso, o Líder Supremo Snoke? Se "Os Últimos Jedi" responde essas perguntas, ou alguma delas, em que medida você se sentiu obrigado a consultar J. J.?

Quando eu tinha dúvidas —o que você imaginou, aqui? Quais eram suas ideias para isso?—, eu estava livre para consultá-lo. Mas essas perguntas se referem apenas ao que esses personagens querem e como podem chegar lá.

Por exemplo, a pergunta sobre quem são os pais de Rey: se você tiver a informação —ah, eles—, quem se importa? Sei que muita gente se importa, mas estamos falando nesse caso de algo apenas interessante, em lugar de impactante.

Já se você estiver tratando de questões como qual é meu lugar no mundo? De onde venho? Onde me encaixo? Sim, compreendo o peso disso. Podemos jogar com essas perguntas e suas respostas a fim de obter o maior impacto emocional sobre esses personagens.

Você vai dar a Luke Skywalker seus primeiros diálogos na trilogia.

Foi a primeira coisa que tive de decidir. Por que Luke está na ilha? E eu não tinha respostas. Cresci com a sensação de que conhecia Luke Skywalker. Isso o conduz a um percurso muito específico.

Sei que ele não está escondido na ilha. Sei que ele não é covarde. Deve estar lá por uma razão em que acredita. Você busca um caminho para avançar a trama, mas existem menos escolhas do que imagina.

Porque você cresceu como fã de Star Wars, trabalhar com os mais antigos astros dos filmes, como Mark Hamill e Carrie Fisher, o intimidou?

Demorou muito para que eu conseguisse me sentar à mesa com Mark sem pensar a cada três segundos que estava conversando com Luke Skywalker. Com Carrie, senti uma conexão rápida, por sermos escritores. Ela não hesitava em dizer o que pensava, cara. Os dois, aliás.

Qualquer pessoa cuja vida esteja tão estranhamente ligada a um personagem como esses, quando você lhe entrega um roteiro e diz "agora vai ser assim", não há maneira de não haver discussão. O fato de que os dois tenham dito, em algum momento, que confiariam em mim ainda que o roteiro não fosse exatamente o que esperavam foi realmente tocante.

Fisher morreu pouco depois de concluir as filmagens. Como você absorveu a tragédia? Sentiu que teria de mudar o filme?

Quando ela nos deixou, já estávamos bem adiantados na pós-produção. Verificamos todas as suas cenas. Meu sentimento era de que não deveríamos tentar alterar o desempenho dela. Nem ajustar o que acontece com ela no filme.

Emocionalmente, não há como não reconsiderar o contexto, agora que ela se foi. É quase fantasmagórica, a ressonância emocional que algumas cenas têm, especialmente agora. O significado que elas têm. Carrie nos deu um lindo desempenho, muito completo, neste filme.

Qual é sua relação de trabalho com Colin Trevorrow? (Nota do editor: A entrevista aconteceu antes que a Lucasfilms cancelasse seu contrato com Trevorrow, que dirigiria o episódio nove de Star Wars.)

É bem parecida com a que tenho com J. J. Impulsionei a trajetória da história, e agora verei para onde outro criador de histórias a levará. Estou em contato, e ele me faz perguntas. Mas no geral só estou acompanhando de longe o que vem acontecendo com ele.

O que significa "Os Últimos Jedi"?

O significado está na sequência inicial de "O Despertar da Força". Luke Skywalker é o último jedi, agora. Há sempre espaço de manobra nesses filmes —tudo é visto de um determinado ponto de vista—, mas em termos da nossa história, ele é o último jedi, de verdade. E ele se retirou, e está sozinho naquela ilha, por motivos desconhecidos.

No trailer, ouvimos uma voz dizendo que "é hora de os jedi acabarem". É Luke que está falando?

É ele. As coisas parecem péssimas. É algo que certamente vamos explorar. O coração do filme é Luke e Rey. Os demais personagens são todos acompanhados na história, mas a verdadeira essência é o desenvolvimento dos dois. E tudo está vinculado àquela questão sobre a atitude de Luke quanto aos jedi.

Han Solo volta como o fantasma da Força?

Han Solo é o fantasma da Força, claro, E Jar Jar é Snoke. Pronto, entreguei tudo, ouro puro, cara.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: