Folha de S. Paulo


'Lumière' mostra como inventores do cinema já tinham olhar de diretores

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Cena do filme 'Lumiére! A Aventura Começa
Cena do filme 'Lumiére! A Aventura Começa'

Em um cinema de rua paulistano, o nome Lumière estampa um pôster ao lado de outros de diretores como Luis Buñuel e Kenneth Branagh.

"Está vendo?", indaga o francês Thierry Frémaux. "É o que eu buscava. Levar esse nome de volta aos cinemas, ao lado de diretores dos dias de hoje."

A afirmação faz sentido para Frémaux, que reuniu 108 filmetes realizados pelos pais do cinema em "Lumière! A Aventura Começa!". O filme estreia nesta quinta (14), 121 anos e 351 dias depois da primeira exibição cinematográfica feita no mundo, em 28 de dezembro de 1895, promovida pelos irmãos franceses.

"É formidável saber que eles, que inventaram o cinema, também eram cineastas. E dos bons", diz Frémaux, que é mais famoso por ser o diretor do Festival de Cannes.

É ele quem compôs e narra os filmetes mudos, a maioria rodada na década de 1890 pelos irmãos Auguste e Louis. Estão entre eles, é claro, "A Saída dos Operários da Fábrica", primeira filmagem da história, e "A Chegada do Trem na Estação de La Ciotat", que apavorou os espectadores em suas projeções.

Mas o filme não é um "apanhado arqueológico", como define Frémaux. Seu foco é mostrar que os Lumière não apenas inventaram o cinematógrafo -aparelho que permitia "capturar" imagens em movimento-, como desbravaram os gêneros do cinema.

Em boa parte dos 108 filmetes despontam elementos ora de comédia ora de suspense, enquadramentos que remetem ao neorrealismo (movimento que tomaria forma 50 anos depois) e outros incompreensíveis. "Seriam os Lumière os precursores do chamado cinema abstrato", pergunta o idealizador do longa.

Anne Christine Poujoulat -13.mai.2015/AFP
Thierry Frémaux posa durante o Festival de Cannes
Thierry Frémaux posa durante o Festival de Cannes

"Eles tinham um misto de inocência e ousadia. Foi o que permitiu que inventassem não só a câmera, mas também os filmes", diz Frémaux à Folha. Ele veio ao Brasil para divulgar a obra.

Diretor do Instituto Lumière, em Lyon, ele tirou dali a semente para o longa, já que os comentários e a seleção dos filmes restaurados fazem parte da apresentação que ele costumava dar naquele local.

Entre os eixos estão documentos históricos da vida na França em fins do século 19, mergulhada na segunda fase da Revolução Industrial, mas conservando resquícios mais arcaicos. Lavadeiras e pescadores de sardinha desfilam ao lado de pedreiros erguendo os edifícios das cidades.

CANNES E STREAMING

O filme também esbarra na rixa dos Lumière com o inventor americano Thomas Edison (1847-1931), que teria chegado a criar aparelho semelhante de filmagem, mas para que fosse consumido individualmente, e não coletivamente.

Frémaux vê nessa disputa algo semelhante com o que acontece na competição entre serviços de vídeo sob demanda e as salas de cinema.

"Lá atrás, quem venceu a guerra foram os Lumière e a sala escura. No futuro, acho que os filmes estarão no cinema e na internet ao mesmo tempo", afirma o idealizador do filme. "E por que as pessoas continuam indo a estádios se há futebol na TV? Porque a experiência é melhor."

O francês esteve no centro dessa arenga em maio, quando o Festival de Cannes, que ele dirige, exibiu em sua competição filmes da gigante Netflix e que iriam direto para a sua plataforma sob demanda.

"Fui muito atacado quando fiz esse convite", afirma. "Mas queria abrir meu coração e entender o mundo deles, que não é o meu, e fazê-los sentir o que é o tapete vermelho."

O francês cita "Dunkirk", de Christopher Nolan, como a "melhor resposta do cinema à Netflix. "Dá para se ver no computador, mas tem toda uma construção de som que só funciona na sala escura."

Thierry Frémaux também defende a qualidade dos filmes na competição com os produtos da televisão, dona de narrativas cada vez mais contundentes -e atraentes aos públicos mais jovens.

"Cinema é composição poética, é assinatura. Quem dirige 'Game of Thrones'? Nem sei. É um grupo de pessoas."


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