Folha de S. Paulo


Análise

Indicações ao Globo de Ouro podem definir o futuro do cinema

Há duas mensagens que podem ser lidas a partir da mordida que o monstro aquático de "A Forma da Água" deu, abocanhado sete indicações ao Globo de Ouro, uma das principais premiações do entretenimento.

Ao fazer dele o recordista em menções da edição, a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, que confere o prêmio, optou por uma mensagem de conciliação. Em tempos de Trump, o longa do mexicano Guillermo del Toro fala em "abraçar o diferente" nessa trama sobre o afeto entre uma faxineira (Sally Hawkins) e uma criatura verde.

Os indicados foram anunciados na manhã desta segunda (11). A cerimônia acontece em 7/1, em Los Angeles.

Embora não seja visceral como "Três Anúncios para um Crime" ou "Eu, Tonya" (também indicados), o filme de Del Toro não chega à condescendência dos motivacionais "O que te Faz Mais Forte" e "Uma Razão para Viver" –ambos poderiam ter chances em épocas de humores brandos, mas foram ignorados neste ano.

Títulos como esses podem ser sepultados também no Oscar e iniciar uma onda de filmes contundentes, como provou a safra do último Festival de Toronto, em setembro, vitrine das grandes premiações.

Além do recado para o público, a largada na frente de "A Forma da Água" também dispara uma mensagem nos bastidores da indústria. É que, somando as indicações desse longa com as de obras como "The Post" e "Três Anúncios para um Crime", a Fox sai na frente entre os grandes estúdios, totalizando 27 chances de levar uma estatueta.

O anúncio sai na mesma semana em que a Disney, outro dos grandes estúdios, pode bater o martelo e adquirir toda a divisão de filmes da Fox, no que seria uma das maiores fusões dessa indústria.

A aquisição pode trazer dúvidas ao futuro da produção hollywoodiana, como adiantou o site "Deadline". Com o catálogo da Fox, a Disney fortaleceria seus planos de se tornar uma gigante também no mercado de streaming.

Por outro lado, divisões da Fox, como a Searchlight, produzem filmes de prestígio, mas de baixo faturamento, o oposto do que a Disney tem feito. E a empresa do Mickey, de títulos mais "família", é avessa a produções mais carregadas e voltadas a maiores de idade, como muitas da Fox.

ASSÉDIOS

Falando em streaming, o grupo de jornalistas estrangeiros deu pouca atenção às gigantes Netflix e Amazon no cinema. A primeira, que ostentava "Okja" e "Os Meyerowitz", somou só três indicações ("First They Killed My Father" em filme estrangeiro, e "Mudbound", com outras duas). Já a Amazon foi ignorada.

A polêmica do assédio em Hollywood afetou a seção de filmes na premiação.

"Terra Selvagem", produzido por Harvey Weinstein, não teve indicações. Nem Woody Allen, chamuscado pelas acusações de ter abusado de Dylan, sua filha adotiva, faturou por "Roda Gigante".

Em compensação, Christopher Plummer conseguiu um feito curioso. Em novembro, foi anunciado como substituto de Kevin Spacey, demitido por acusações de assédio, em "All the Money in the World.

Pouco mais de um mês depois, o longa, exibido apenas para os membros da associação, recebeu três indicações, incluindo uma para Plummer.

A celeuma pode ficar na categoria de direção, que ignorou minorias. Greta Gerwig ("Lady Bird"), que é mulher, Jordan Peele ("Corra!"), que é negro, e Luca Guadagnino ("Me Chame pelo Seu Nome"), que fez um drama gay, não foram contemplados, embora estivessem entre os favoritos.

Produtor de "Me Chame pelo Seu Nome", o brasileiro Rodrigo Teixeira comemorou nas redes as três indicações do filme. "Sinto que estou representando o meu país", disse. Ele não é o único. O diretor Carlos Saldanha também concorre, pela animação "O Touro Ferdinando".


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