Folha de S. Paulo


crítica

Imagens não encontram eco no texto de 'Siete Grande Hotel'

Lenise Pinheiro/Folhapress
O ator Carlos Mendes na peça 'Siete Grande Hotel
O ator Carlos Mendes na peça 'Siete Grande Hotel'

SIETE GRANDE HOTEL (regular)
QUANDO dom., às 19h, e seg., às 20h, até 18/12
ONDE Espaço Redimunho, r. Álvaro de Carvalho, 75, Anhangabaú, tel. (11) 3101-0645
QUANTO R$ 5 a R$ 30, reserva pelo (11) 97541-7077, 14 anos

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O fausto dos antigos hotéis de luxo é uma memória longínqua no Siete Grande Hotel. Dele só restam o conjunto de música cubana e um concierge de fala empolada e uniforme paramentado. Atualmente, pessoas das mais diferentes origens, com as mais diferentes histórias, ocupam os sete quartos restantes.

Um ex-trabalhador da borracha no Norte dorme ao lado de um velho que roubava ícones religiosos na São Paulo antiga; a filha desvairada de um sapateiro pode cruzar no corredor com um esquilador de ovelhas que se acantoou em um quarto coberto de sangue.

No novo trabalho do Grupo Redimunho, que tira seu nome desse hotel fora do tempo e perdido do mapa, os variados personagens são atravessados por uma situação permanente de guerra, das várias guerras que podem existir, e por um estado alterado de consciência.

Eles se constituem a partir de histórias anônimas do homem comum, de referências ao universo do escritor Guimarães Rosa, tema de pesquisa do grupo, e também da situação dos vizinhos da trupe.

Dividindo o muro com a sede da companhia está o prédio do antigo Hotel Cambridge, que desde novembro de 2012 abriga centenas de famílias em uma ocupação organizada pela Frente de Luta pela Moradia (FLM).

Assim, o Siete é também o antigo Cambridge ocupado, em paralelo que traz força ao espetáculo, como proposta artística e política, mas é também uma debilidade sua.

Pois a disparidade das cenas talvez exigisse amarração mais incisiva que o próprio ambiente de hotel e a invocação constante de uma guerra e uma loucura difusas e genéricas. Não se trata de negar a possível justeza dessa dupla chave de leitura do mundo; ocorre simplesmente que, por vezes, a afiliação das cenas a esse estado de coisas insano e bélico parece arbitrária.

Na itinerância subterrânea do público pelos porões da sede da companhia e do antigo Cambridge, surpreendem as instalações, ou antes, ocupações, que hospedam cada cena. A grande qualidade plástica não se sustenta, porém, no desenvolvimento da ação.

Exemplo: um quarto lotado de sapatos –lembranças difíceis dos campos de extermínio e das recentes ondas de refugiados são inescapáveis– abriga personagens que apelam para um discurso antiamericano simplista, que não faz jus à contundência das imagens de que lança mão.

Assim, se faz sentir um descompasso entre o trabalho de pesquisa do coletivo, que desembocou em quadros potentes, com cenários-ocupações de grande força, e o texto, assinado por Rudrifran Pompeu, também diretor.

Ora um discurso se repente como ladainha, ora o tom de um personagem enfraquece a cena; a linguagem trabalhada, de sotaque sertanejo, também transborda uma poesia de apreensão no mínimo laboriosa no calor da apresentação –dificultada pela atuação do elenco irregular.


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