Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Nova versão de 'Dona Flor' se perde em clichês e roteiro falho

Divulgação
Teodoro (Leandro Hassum), dona Flor (Juliana Paes) e Vadinho (Marcelo Faria) em cena de 'Dona Flor
Teodoro (Leandro Hassum), dona Flor (Juliana Paes) e Vadinho (Marcelo Faria) em cena de 'Dona Flor'

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (ruim)
DIREÇÃO Pedro Vasconcelos
ELENCO Juliana Paes, Leandro Hassum e Marcelo Faria
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 16 anos
QUANDO em cartaz
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Basta ver as primeiras cenas para saber o que será o novo "Dona Flor e Seus Dois Maridos". Vemos imagens de Carnaval. Cenas em geral tomadas de perto, de pessoas dançando e pulando. A música é alegre, tipo frevo. Vemos por fim um homem que cai: é Vadinho, o primeiro marido de dona Flor.

A música muda: tom apreensivo e depois fúnebre. Corta para Flor despertando, aflita. Bom corte, talvez o melhor momento do filme. Informada do infausto acontecimento, Flor já levanta chorando.

Seria possível dar um tempo nesse clichê de viúvas que choram tão logo sabem da morte do marido? Não se pode dar a elas ao menos um momento de espanto, surpresa, incredulidade, reflexão?

Nada disso. Juliana Paes, a nova Flor, desata a chorar. Levada por uma amiga, chega ao local onde se encontra o corpo do finado marido.

A câmera executa então um movimento em grua, subindo até o alto da cruz, mostrando a pequena multidão que acompanha o evento. Chega a 180º, mas para quê? Para mostrar que sabe usar a grua ou para mostrar produção?

A sequência se encerra com dona Flor dando um daqueles berros que se tornaram a forma mais óbvia de demonstrar dor.

Corte para o funeral. Até então sabemos que morreu Vadinho, o marido de Flor. Agora a mãe de Flor se encarrega de deixar claros seus sentimentos sobre o finado: um sem-vergonha de primeira, bêbado, jogador, que vivia encostado na filha etc..

Daí vamos ao flashback, ao baile em que Flor e Vadinho se conhecem, em que ele se apresenta como político importante e seduz a garota.

Esse é o primeiro e decisivo problema de roteiro do filme: se a sogra já disse tudo o que aconteceu, qual o interesse em ver novamente? Mas assim será até que dona Flor conheça seu segundo marido, o farmacêutico sem graça.

"Dona Flor" como romance, e mesmo no filme original de Bruno Barreto (1976), era um espécie de libelo feminista que colocava o prazer sexual antes de tudo como elemento central da relação amorosa, pois Flor, pressionada pelo sem-jeito do farmacêutico Teodoro, não custa a chamar o espírito de Vadinho, ainda que inconscientemente.

O certo é que, com ou sem Vadinho, as coisas seguem mornas, tocadas a poder de uma música quase onipresente. Ou antes, que só para, como as antigas vitrolas, quando a eletricidade se interrompe: recurso ok se usado uma vez, mas três ou quatro...

Passemos, por fim, ao que parece um repulsivo aceno às igrejas neopentecostais: uma cerimônia de umbanda representada como malévola feitiçaria, com demônio e tudo.

E, no entanto, apesar de todos os problemas, "Dona Flor" em sua versão 2017 se deixará ver, ao menos por um público não cinéfilo, como que para demonstrar a força da história de Jorge Amado.

Assista ao trailer de "Dona Flor e Seus Dois Maridos"

Assista ao trailer de "Dona Flor e Seus Dois Maridos"


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