Folha de S. Paulo


Alheias a tendências e ídolos, novas gerações definem nova 'era da moda'

Números negativos, falta de assunto, roupas mais do mesmo. A lista de problemas que afetam a moda no início deste século condiz com o tamanho da aflição de empresas do varejo, estilistas e marcas.

O que fazer para uma "grande virada" em 2020, quando 28% do consumo de moda será on-line, é a obsessão atual. A indústria gira mais de R$ 8 trilhões anuais e vê no comportamento da juventude a chave de uma nova era fashion.

Uma era em que a moda, ao perder espaço para experiências gastronômicas e de viagens na lista de prioridades dos jovens, encara como tragédia. Nenhuma pesquisa, porém, aponta catástrofes, mas sim o fator decisivo que o dinheiro está mais curto –jovens gastam quase 38% menos do que no século passado– e que a nova clientela não quer saber de parecer iguais entre si.

Quem é ela? "Millennials", os nascidos a partir dos 1980 cujos bolsos são a massa consumidora de moda, e a chamada geração Z, que veio ao mundo após 1995.

Ambas se tonaram o centro do que se vê em passarelas, vitrines e na "última tendência" —conceito que, aliás, pode estar com os dias contados nas mãos delas.

O comportamento difere dos seus pais, que compõe a "geração X" e construíram o império das marcas ao inaugurar a compra por impulso. Jovens querem se diferenciar não pelo nome impresso na etiqueta, mas pelo quão diferente parecerão com aquela roupa.

Se só 33% dos avós de hoje procuravam se sentir alguém fora da caixa com a roupa, segundo Lisa Holmes, gerente de pesquisa da Euromonitor International –a maior agência de pesquisa do segmento da moda–, 59% dos "millennials" querem se diferenciar.

O fato assusta marcas, acostumadas à uniformização das ofertas oriundas de um pensamento comum elaborado a cada seis meses. E também abre caminho para a fidelização.

Holmes diz que 53% dos millennials "só compram de empresas e marcas em que eles confiam completamente", e 44% da geração Z, mesmo com poder de compra ainda tímido por causa da pouca idade, pensa dessa forma.

De acordo com Andrea Bisker, fundadora da agência Mindset, esses jovens vão escolher seguir etiquetas que abracem sonhos e ideais, não mais artigos táteis, como acontecia com suas famílias.

"As grifes têm de ser empáticas e trabalhar [campanhas] com afeto, lidar com sentimentos intangíveis que seus clientes acreditam não conseguir por meio de governos ou da vida perfeita da blogueira de moda", diz Bisker.

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem veem a mentira como fator de quebra de relações da juventude com a moda. "Vivemos uma cultura de investigação de tudo. Dê um 'google' e qualquer verdade vem à tona. Marcas que, por exemplo, transformem a compra em benefício social, como faz a Reserva, ou retirem plástico dos oceanos, como a Adidas, ganham espaço."

Presidente de uma das grifes de luxo mais desejadas pelos novos consumidores, a italiana Gucci, Marco Bizzarri afirma que "o produto de moda deixou de ser o centro das atenções", e que as pessoas, "não só 'millennials', querem ter certeza que o que contamos não se resume a roupas". "É tempo de sermos sinceros". Ou, pelo menos, tentar ser.

Por esse viés, a marca retomou a cultura do vintage dos anos libertários dos 1970 na moda e atendeu à demanda de não usar peles em suas roupas. Fora do guarda-roupa, começa a investir em start-ups que estudam soluções para o impacto ambiental da produção de moda no planeta

ÍDOLOS DE QUEM?

A dispersão dos desejos que explica o recuo nas vendas de grandes marcas e varejistas é uma das conclusões da última pesquisa do banco Goldman Sachs, feita em parceria com o grupo editorial americano Condé Nast, dono da revista "Vogue". A Folha teve acesso ao material na íntegra.

Uma das surpresas é que as varejistas Old Navy, Zara e Forever 21 estão no topo das roupas mais compradas pelas jovens americanas –todas com 4% da fatia total do varejo. O dado mostra que não há líderes de vendas, e marcas de luxo só aparecem no topo no segmento de bolsas. A Coach (13%) sai na frente, ao lado de Kate Spade (13%), Michael Kors (13%) e Chanel (4%). Louis Vuitton e Gucci têm 3% e 4% das compras.

"A juventude de hoje já nasceu em um mundo que democratiza o design, antes restrito a marcas de luxo. Isso causa pânico no varejo, muito também porque esses clientes preferem comprar online a ir numa loja que não vai oferecer experiência nenhuma", diz Rony Rodrigues, sócio da agência de pesquisas e comportamento Box 1824.

Um dos idealizadores do conceito de "normcore" –macrotendência fundada em 2013 que espalhou a moda básica pelo mundo a partir da sacada de que a contracultura saíra do gueto para virar a cultura hegemônica"", ele relaciona a falta de liderança no consumo a um comportamento típico do entretenimento.

"Nos anos 1980, Madonna era a rainha do pop, certo? Quem é a de hoje? Não é possível definir. Alguns podem chutar Beyoncé, por outro lado, quem mais vende discos é Taylor Swift. Essa lógica da queda de ídolos unânimes também se aplica à moda."

Ele se prepara para lançar, no último dia deste mês, um novo estudo de comportamento, cujo conteúdo trata da disrupção tecnológica.

"Nos preparamos para viver a época dos provadores virtuais, dos robôs consultores de moda e da realidade aumentada. Não é coincidência que o cargo mais importante do varejo seja ocupado pela ex-CEO da [grife inglesa] Burberry", explica, citando a vice-presidente de vendas da Apple, Angela Ahrendts. "A moda vai definir os rumos da tecnologia, e vice-versa."

Arte
CARTILHA 'MILLENNIAL'Bússolas para marcas
CARTILHA 'MILLENNIAL'Bússolas para marcas

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