Folha de S. Paulo


Taylor Swift é uma máquina do pop de hoje em 'Reputation', mas a que custo?

Richard Shotwell/Associated Press
O álbum 'Reputation', da Taylor Swift, teve a melhor estreia do ano nos EUA
O álbum 'Reputation', da Taylor Swift, teve a melhor estreia do ano nos EUA

Taylor Swift é conhecida pelas despedidas cortantes, pela maneira fantasmagoricamente íntima de desmantelar as pessoas que lhe fizeram mal.

Como compositora e como cantora, o antagonismo sempre foi uma das bases de seu sucesso (é um dos dois polos de sua carreira —o outro é o da paixonite), e nenhuma estrela pop moderna comunicou os contornos de suas decepções com tamanha precisão emocional e sofisticação melódica.

"I Did Something Bad", a terceira faixa de seu novo álbum, "Reputation", carrega todos os traços de um dos clássicos ataques de Swift aos amores que a desapontaram: letras sobre homens que não sabem como se comportar, polvilhadas com detalhes suficientes para indicar a gravidade das deficiências do sujeito.

Mas o refrão é diferente. "Dizem que fiz algo de ruim/ Então por que me senti tão bem?" Na superfície, é um despertar, mas na verdade a letra representa um ataque. O alvo de Swift é ela mesma —sua inocência, sua ingenuidade, a maneira pela qual batalhar por ser perfeita talvez seja o mais grave dos defeitos.

O bombástico, inesperado e sutilmente poderoso "Reputation" é muitas coisas ao mesmo tempo: o primeiro álbum em que Swift diz palavrões (as interjeições amenas de discos anteriores não contam); o primeiro álbum em que ela fala de bebidas alcoólicas (e repetidamente, aliás); e o veículo para suas canções mais escancaradas sobre seu papel como agente sexual.

Swift já tem 27 anos, e as coisas que ela costumava se negar —ao menos nas canções— ficaram no passado.

Mas o disco também mostra Swift buscando recuperar as boas sensações do passado, ainda que esteja se movimentando em direção oposta à do período de 10 anos em que ela costumava seguir seus instintos musicais. E o conceito funciona. "Reputation" é fundamentalmente diferente de todos os álbuns precedentes de Swift por levar em conta —de fato priorizar— o tempo e o tom de seus concorrentes.

POP ATUAL

"Reputation" é uma renegociação pública, e se engaja com a música pop nos termos que esta dita, e não nos termos pessoais de Swift.

E ainda que aquilo que esteja na moda na música pop —o soul noir pós-Drake ou o estilo gótico, dramático mas simples, de Halsey e Selena Gomez— não necessariamente evoque o que Swift tem de melhor, ela não hesita em adotar esses estilos, encontrando maneiras de incorporá-los ao seu arsenal, e de se incorporar a eles.

Algumas coisas se perdem, com certeza, mas o que o novo trabalho demonstra é que Swift é tão boa em destilar as ideias pop alheias quanto foi no passado em estabelecer seu percurso sui generis.

Isso significa deixar de lado as melodias memoráveis que sempre caracterizaram seu trabalho e adotar uma abordagem na qual a voz dela é usada como decoração ou tempero —o que estabelece a diferença entre canções que são Taylor até a medula e outras que ela apenas reveste de seu estilo.

Significa que ela continua a reduzir a ênfase nas narrativas densas que caracterizavam seu estilo no passado, o que já havia começando a fazer em "1989", seu álbum anterior. Em algumas das canções do novo trabalho, Swift canta em um estilo que se aproxima do rap. (Lamento, mas a velha Taylor Swift não pôde vir ao estúdio hoje.)

E essas proposições, que isso fique claro, causam choque. No entanto, Swift ainda assim as adota, e prospera ao fazê-lo, como se estivesse se libertando de seu passado e ao mesmo tempo calculando que grau de mudança o mercado está disposto a suportar.

Todas as canções de "Reputation" são produzidas por Max Martin e seus associados ou por Jack Antonoff e Swift. Os dois produtores colaboram com ela há muito tempo, e os dois tiveram papel muito importante em definir o som do pop atual.

O lugar a que eles conduzem Swift é um R&B pop atenuado, com uma produção repleta de sintetizadores que fluem em um galope sensual. "Delicate", um dos destaques do novo disco, soa um pouco como uma colaboração entre Drake e Rihanna. Na faixa, Swift canta aos sussurros, e demonstra uma preocupação mais forte com o ritmo. (Ela também usa vocais sintetizados por um vocoder em parte da canção.)

Algo semelhante, mas ainda mais escancarado, acontece em "Dress", que, com as exalações audíveis de Swift soa como uma faixa da dupla Aluna George, que retomou o club-soul.

Essas canções enfatizam mais a cadência dos vocais de Swift que seu alcance ou melodia. E em algumas das faixas do novo trabalha ela adota uma espécie de canto falado, intermitente e não muito compatível.

Esse é um tema persistente em "Reputation": tomar estilos e abordagens de empréstimo à música negra e abrandá-los a ponto de permitir que Swift os adote de maneira convincente.

O exemplo mais notável disso é "End Game", uma canção com batida suave mas forte, e participações especiais de Future e Ed Sheeran. Que Swift se arriscasse a trocar suspiros melódicos com Future teria sido impensável cinco anos atrás, mas na faixa a pessoa que parece menos confortável é claramente Sheeran.

As ideias que Swift e seus produtores estão tomando de empréstimo já fervilham há muito tempo no pop comercial. (Nada em seu novo disco causa choque semelhante ao do uso de uma batida de dubstep por Swift em "I Knew You Were Trouble", de 2012, quando isso ainda era novidade.)

O que é notável, porém, é que ela não tenha procurado por inovadores para incorporar essas ideias, e sim optado por usar Martin e Antonoff como alquimistas e filtros.

A abordagem também serve a outro propósito, que é protegê-la das limitações de sua voz. Algumas das canções do novo trabalho —"Don't Blame Me", especialmente, que lembra vagamente a Madonna da era dos corais gospel— pedem por melismas ou por uma abordagem vocal proveniente do soul, que combine garra e habilidade.

Mas não é esse o talento de Swift. Ela continua a cantar tão bem quanto no passado (mesmo que o novo álbum não a deixe se soltar), mas no novo trabalho seu canto brilha apenas em alguns trechos.

Isso acontece porque as canções de "Reputation" são a soma de partes muito diferentes; diversas delas viram em direções inesperadas, e essas viradas se sucedem. As guitarras, quando presentes, são ouvidas lá embaixo na mixagem.

Essa espécie de maximalismo estrutural vem se tornando um marco da era pop de Swift. "I Did Something Bad" tem a energia de uma motocicleta sendo acelerada, e os dois primeiros singles, "... Ready for It?" e "Look What You Made Me Do" empregam sons ásperos e segmentos em que o som cresce urgentemente para criar efeitos teatrais, abrasivos.

Isso é obra dos dois produtores: Martin e sua equipe cuidam de boa parte da ruidosa primeira metade do disco, e Antonoff domina a segunda metade, de tom mais emotivo. O tom de Swift muda ao longo do álbum, igualmente —no começo, ela mostra indignação e agressividade mas no final canta em ritmo quase que de canção de ninar.

PROVOCAÇÕES

Ela continua a manter os adversários na mira: há cutucões em Kanye West e em um ou dois antigos namorados. Mas também nesses casos ela vira a lente de aumento na direção oposta. Algumas das letras mais cáusticas e conscientes do álbum falam sobre ela mesma.

"Getaway Car" é sobre o que acontece quando você pula alegremente de relacionamento em relacionamento. As imagens das letras de Swift estão entre suas melhores, nessa faixa: "As gravatas eram pretas, as mentiras eram brancas/ e à luz das velas tudo era cinzento/ Eu queria deixá-lo, e precisava de uma desculpa".

Isso é material típico de Swift —ou foi, um dia. No novo álbum, a prioridade é outra. A faixa que fecha o disco, "New Year's Day" é única canção acústica, e uma das melhores composições do projeto (embora pareça dever tanto a Sheeran quanto a Swift).

Também parece ser a única composição de "Reputation" que, ao ser ouvida, não leva o ouvinte a se perguntar exatamente que cara tem uma canção de Taylor Swift em 2017. Ao produzir seu álbum mais moderno —um disco em que ela visita sem temor o território dos adversários, e parece escapar ilesa—, Swift criou um enigma: se você está usando componentes reaproveitados dos outros, será que conseguirá recriar o seu eu?

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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