Folha de S. Paulo


Em 'Dilúvio', Gerald Thomas remete ao caos gerado pelos 'fake news'

Desde que tinha 20 e poucos anos e participava das reuniões de pauta do "New York Times", onde trabalhava como ilustrador, Gerald Thomas diz ter aprendido que "good news is bad news" (notícia boa é notícia ruim).

"Não sou da teoria da conspiração. Mas isso deixa a população num estado de pânico. Porque pânico mantém a economia em constante 'evolvement' [evolução]", afirma o diretor, hoje aos 63. "E esse estado de pânico, os Facebooks e Twitters da vida espalham, aumentam cinco vezes."

O tal pânico criado pelos "fake news", as notícias falsas que se disseminam pela internet, é um dos pontos de partida de "Dilúvio", peça que Gerald estreia em São Paulo neste sábado (11) –sua primeira no Brasil desde "Entredentes" (2014), que tinha Ney Latorraca no elenco.

A internet como catalisadora já aparecia em seu "Gargólios", encenado no país em 2011, uma versão brasileira para "Throat", que estreou em Londres e falava do mundo pós-11 de Setembro.

Mas nada é literal ou direto nos trabalhos do encenador e dramaturgo. "Eu não sei se eu discuto isso [a internet e os 'fake news'] nesta peça, porque eu não discuto nenhum tema em nenhuma peça."

São alusões ao tema o que se vê em "Dilúvio". Num palco coberto de serragem e guarda-chuvas quebrados, surgem cenas de caos e tempestades. Por vezes, passam no palco telas pintadas com imagens um tanto violentas. Uma voz em off do próprio Gerald diz:

"Foi assim que começou a Terceira Guerra Mundial. Ele pegou o iPhone e tuitou: 'sad' [triste], 'bad' [ruim], 'fire' [fogo]. E nesse 'fire', leu-se 'fake news'. E, nesse 'fake news', explodiu-se tudo".

Se pedissem um abraços, seguem os personagens, "teria sido tudo mais simples".

A portuguesa Maria de Lima, que trabalha com Gerald desde 2010, quando ele fundou a London Dry Opera Company, na Inglaterra, interpreta a protagonista, uma espécie de guia um tanto controversa nesse mundo caótico.

Também há referências à trama bíblica da Arca de Noé: a imagem de uma embarcação, contornos de animais.

Acompanhadas do baixo e da percussão do diretor, que toca os instrumentos na lateral do palco, as nova-iorquinas Lisa Giobbi e Julia Wilkins fazem coreografias aéreas. Elas são içadas a poucos centímetros do chão e alternam gestos de fúria, doçura e amor.

Elas ficam como num outro plano, um ambiente um tanto nebuloso, como a internet.

"A gente está na infância da internet, não chegou a lugar algum", afirma o diretor. "A gente não está no palpável nem está no impalpável."

Hoje morando entre Nova York e os Alpes Suíços, Gerald, que tem cidadania americana e vota nos EUA, é um feroz crítico ao presidente Donald Trump, a quem atribuiu em parte a rede de mentiras. "Tudo é dito e desdito em cinco tuítes. Essa cara é completamente doido."

Mas vê o caos no mundo todo. "Tá todo mundo estressadíssimo, puto com todos os governos, com falta de ideologia, ninguém aguenta mais Lava Jato, lava carros, lava porra nenhuma. Estão arranhando a flor da pele das pessoas."

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Dilúvio

QUANDO qui. a sáb., às 21h, dom., às 18h; até 17/12
ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 18 anos


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