Folha de S. Paulo


'Provocação' de Nelson em 'A Serpente' reflete atual polarização, diz diretor

Leekyung Kim/Divulgação
Kevin Spacey em cena gravada para
Elenco "enjaulado" na montagem de "A Serpente"

Peça derradeira de Nelson Rodrigues (1912-1980), "A Serpente" é um dos textos em que dramaturgo menos "faz rodeios" ou "meias palavras", diz o diretor Eric Lenate. Uma boa síntese, segundo ele, para os tempos de hoje, uma era "sem meios-termos" e de ideias polarizadas.

Lenate dirige uma montagem do texto, que estreou na semana passada no teatro Viradalata, em São Paulo. É um trabalho mais curto e dinâmico de Nelson –a encenação tem cerca de uma hora de duração–, no qual o autor, sempre polemista, expande o tom provocador.

A trama retrata duas irmãs muito próximas, Guida (Fernanda Heras) e Lígia (Carolina Lopez), que vivem com os respectivos maridos no mesmo apartamento.

Lígia é infeliz no casamento não consumado com Décio (Paulo Azevedo) –ele se diz impotente, mas a trai com outras mulheres. E ela, depressiva, pensa em se matar.

Para evitar a tragédia, Guida, que vive uma eterna lua de mel com Paulo (Juan Alba), decide emprestar o seu próprio marido para uma noite com a irmã. Mas Lígia acaba por se apaixonar pelo cunhado e amante temporário.

"Ele é direto e objetivo e às vezes pode parecer racista, machista, mas não deve ser tomado de maneira literal. Não devemos ficar apenas na superfície", diz o encenador, que já havia trabalhado com a obra rodriguiana em montagens de "Vestido de Noiva" (2013) e "Valsa nº 6" (2015).

A história conflituosa, em que o amor de irmã se choca com os relacionamentos matrimoniais, seria um espelho dos nossos próprios embates internos, um modo de questionarmos nossos valores.

"Quando Nelson delineia uma fala de maneira objetiva, ele nos desafia a entender as nuances que aquela objetividade carrega", afirma Lenate, para quem o texto reflete bem questões contemporâneas.

"Parece que a gente está vivendo numa sociedade sem meios tons, de cores chapadas, em que as pessoas têm dificuldade de entender metáforas."

GAIOLA

Para ressaltar o clima conflituoso, o cenário concebido por Lenate remete a uma gaiola, como se esses personagens, que orbitam toda a estrutura, estivessem presos à tradição, afirma o diretor.

Dentro da "jaula", há uma única cama de casal –"o resumo dessa relação territorial"."Há quem diga que, em 1978, quando ele escreveu essa peça, Nelson já estivesse falando em poliamor", comenta o encenador.

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A SERPENTE
QUANDO qui., às 19h, sex. e sáb., às 21h30, dom. às 19h, seg., às 21h; até 20/11 –sessões extras nos dias 23 e 27/11 (quintas- feiras), às 19h
ONDE Teatro Viradalata - sala Nobre, r. Apinajés, 1.387, tel. (11) 3868-2535
QUANTO R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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