Folha de S. Paulo


Rede Globo e Globosat somam esforços para enfrentar Netflix em streaming

Marcelo Tabach/Divulgação
Cena da série 'Carcereiros', da Globo, que estreou no streaming, passou na TV paga e chega à aberta em 2018
Cena de 'Carcereiros', da Globo, que passou no streaming, na TV paga e chega à aberta em 2018

Depois de mais de dois anos com projetos internos conflitantes, no esforço para erguer um concorrente à altura da Netflix, o Grupo Globo decidiu criar uma "joint venture" entre a Rede Globo e a programadora Globosat, a maior do país, com canais como Multishow, Universal, SporTV e Playboy.

A nova empresa será comandada por João Mesquita, hoje presidente da rede de canais de filmes para TV paga Telecine —esta também uma "joint venture", entre a Globosat e quatro dos maiores estúdios americanos, MGM, Paramount, 20th Century Fox e NBCUniversal.

Mesquita continua na Rede Telecine até fevereiro, preparando a própria substituição, junto aos estúdios.

Além da determinação de reunir Globo e Globosat e do nome do executivo, o novo projeto de vídeo por demanda tem poucas definições.

Não se sabe, por exemplo, o que será da Globo Play, que acaba de completar dois anos —e era, até então, a principal aposta do grupo para o entretenimento pago via internet, inclusive adiantando a exibição de séries da TV.

Também fica em suspenso o lançamento, que chegou a ser anunciado pela Globosat em agosto, de um Telecine Play com assinatura só pela internet, desvinculada da TV paga. Seria o primeiro passo da programadora no enfrentamento da Netflix.

O novo serviço deve ser lançado até o final do ano que vem, oferecendo séries e filmes produzidos pela Globo e pela Globosat e também por eventuais fornecedores, como os estúdios do Telecine.

Num segundo momento, a nova empresa ofereceria outro produto, uma espécie de TV paga pela internet, com preço menor que o das assinaturas das operadoras. Eventualmente, poderia incluir transmissões esportivas dos canais Première, também parte da Globosat.

O serviço de TV paga pela internet, com menos canais e custo baixo, é um formato que vem atraindo grandes grupos de mídia e tecnologia nos EUA, sobretudo neste ano, com marcas como YouTube TV e PlayStation Vue. Mas enfrentaria limitações regulatórias no Brasil.

SÉRIES E FÓRMULA 1

A movimentação do Grupo Globo responde ao avanço recente da Netflix em programação nacional. O serviço, há seis anos no país, seu terceiro mercado mundial, acaba de anunciar a quarta série com produção brasileira, "Coisa Mais Linda".

Com o pano de fundo do surgimento da bossa nova, entre os anos 1950 e 60, mas sem tratar dela diretamente, segue quatro mulheres de perfis diferentes, por festas e apartamentos do Rio. Criada por Heather Roth e Giuliano Cedroni, é escrita por Pati Corso e Leo Moreira.

As outras três séries são a ficção científica "3%", de 2016, que a "Variety" descreve como "hit cult" nos próprios EUA e que prepara sua segunda temporada; "O Mecanismo", sobre a Lava Jato, e a sitcom "Samantha!".

Em declaração fornecida pela Netflix, o vice-presidente para Conteúdo Internacional, Erik Barmack, se diz "ansioso para continuar investindo na incrível narrativa que o Brasil tem para oferecer".

Paralelamente, o serviço negocia a compra dos direitos de transmissão da Fórmula 1 via internet, com a Liberty Media —empresa do americano John Malone, que adquiriu a categoria em 2016, por US$ 8 bilhões.

Em entrevista há duas semanas, na Alemanha, o diretor de marketing da Liberty Media, Sean Bratches, afirmou que tem como prioridade ampliar a presença da Fórmula 1 na internet.

"Estamos trabalhando com a Netflix para uma colaboração a partir de 2018", disse ele. "Estamos na fase de desenvolvimento." Procurada, a Netflix não se pronunciou.

CONTEÚDO LOCAL

Para a advogada e consultora Rosana Alcântara, diretora até fevereiro da Ancine, agência que regula a indústria audiovisual, as novas apostas de Globo e Netflix refletem o "momento de movimentação no debate sobre vídeo por demanda".

De um lado, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, concentra esforços na adoção, por serviços como Netflix, do imposto já cobrado da TV paga (Condecine). Ele, porém, abandonou as cotas de conteúdo nacional, que a TV paga tem que cumprir.

Sá Leitão acredita que a regulação excessiva poderia constranger o desenvolvimento do setor no Brasil.

De outro lado, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) apresentou há duas semanas um projeto de lei que estabelece não só contribuição e cotas mas esboça um marco regulatório para os "provedores de conteúdo audiovisual por demanda (CAvD)".

Teixeira foi um dos autores da Lei da TV Paga, de 2011, que coincidiu com o boom na produção audiovisual.

Para Rosana Alcântara, tanto Globo como Netflix vêm atuando "no sentido de fortalecer e ampliar o investimento em produção nacional", paralelamente ao polarizado debate político.

No caso da "joint venture" entre a Globo e a Globosat, trata-se de uma "ampliação" da estratégia, para aproveitar não só o "forte conteúdo próprio" mas também os "contratos fortes com Universal, Playboy e outros".

E é uma sinalização para concorrentes como Netflix, Amazon Prime Video e "a própria Apple, que está estudando entrada no país", de que no mercado local "as empresas nacionais têm mais tradição e oferta".

No caso da Netflix, a consultora sublinha que o próprio ministro foi, no último dia 1º, à sede da empresa, na Califórnia. Segundo o MinC, Sá Leitão ouviu que a meta da Netflix é produzir dez séries brasileiras por ano.

"O Brasil é um grande mercado e estamos empolgados em aportar investimentos", teria dito Ted Sarandos, diretor de Conteúdo. "Nosso plano não é levar Hollywood ao mundo, mas levar bom conteúdo de todo o mundo para os usuários. Nesse aspecto, o Brasil é fundamental."


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