Folha de S. Paulo


Crítica

'O Homem Mosca' faz sofrer e rir com situações vertiginosas

Divulgação
Cena de
Cena de "O Homem Mosca", com Harold Lloyd pendurado no ponteiro de um relógio.

A certa altura da vida, Harold Lloyd queixava-se de que tinha feito mais de 300 filmes, mas só era lembrado pelos cinco ou seis em que suas qualidades malabarísticas estavam em destaque.

É fato. Lloyd desenvolveu o tipo do homem trivial, encontrável em qualquer esquina, com a diferença, apenas, de que a ele sucedem eventos extraordinários. No caso de "O Homem Mosca", ver-se no alto de um edifício, pendurado no ponteiro de um relógio. Mas até lá continua correto o terninho e continuam firmes os óculos desse inadvertido precursor do Homem Aranha.

Há um pouco de desespero no humor do filme, é verdade, pois o homem se vê em uma situação aflitiva e humilhante (humilhante por decorrer de umas tantas embromações que pratica a fim, claro, de ocultar da namorada sua penosa situação econômica), mas isso só torna o humor mais eficaz.

Lloyd era só esse homem qualquer e foi assim que se tornou o maior concorrente de Carlitos nas bilheterias dos anos 1920. Não acentuava o aspecto humanista de Charlie Chaplin, nem o estoicismo de Buster Keaton ou o anarquismo de Groucho Marx.

Talvez a maior virtude fosse mostrar a inadequação do homem comum, tudo que há de absurdo na normalidade. Assim era o próprio Harold. A atriz do filme, Mildred Davis, não teve carreira longa: casou-se com Harold e com ele teve três filhos. Nada a ver com o destino tendente ao trágico de Keaton ou ao aventureiro erótico de Chaplin.

Neste filme sofremos o mesmo tanto que rimos, à medida que se sucedem situações passíveis de jogar nosso herói literalmente por terra, sempre de uma altura mais que considerável. Se não nos seduz pela inteligência interminável, como Buster, se não tem a matreira sabedoria de Carlitos, o Harold de "O Homem Mosca" produz uma admirável síntese da comédia do início do século passado, em que a inadequação entre o homem e as coisas da metrópole (velocidade, máquinas, edifícios) gera, aqui, situações vertiginosas.

O comediante suavemente feliz sobreviveu ao cinema falado (sem o mesmo sucesso) e, ao surgir em "O Homem Mosca", ainda estava ligado à produtora de Hal Roach, que o descobrira em 1912 e fixara seu tipo inicialmente com o nome de Lonesome Luke.

Ao mesmo tempo em que escapa dos muitos perigos que surgem, Lloyd produz risos e até gargalhadas, sob as ordens de Fred C. Newmeyer, seu diretor frequente nesse momento da carreira, e de Sam Taylor, que foi prioritariamente roteirista, mas aqui figura como codiretor. Quem aprecia o burlesco clássico não tem opção, exceto correr até o Ibirapuera para vê-lo.

*

O HOMEM MOSCA

Direção: Fred C. Newmeyer e Sam Taylor

Elenco: Harold Lloyd, Mildred Davis, Bill Strother

Produção: EUA, 1923

Quando: sex. (3), às 20h, na área externa do Auditório Ibirapuera

Avaliação: ótimo 


Endereço da página: