Folha de S. Paulo


Gravadoras incentivam migração de fãs de gospel para o streaming

Isadora Pompeo, 18, pega o violão e começa a cantar uma oração. Nada incomum para a filha de pastores da Igreja Batista; tampouco devem ter estranhado os que assistiam àquela transmissão ao vivo no Facebook –a maioria evangélicos ou simpatizantes.

Ela estava no ar a fim de lançar seu álbum de estreia, "Pra te Contar os Meus Segredos", divulgado na sexta (27) com exclusividade na plataforma de streaming Deezer, ainda que a artista nem sequer tivesse testado o serviço.

Seria ali mesmo, minutos depois, que ela faria seu primeiro "login" no aplicativo, orientada pela equipe.

Pareceria um descompasso, considerando que Pompeo explodiu há dois anos fazendo covers de artistas gospel no YouTube, o maior manancial de ouvintes evangélicos, no qual ela possui mais de 1 milhão de seguidores.

A falta de familiaridade com as demais plataformas reflete uma característica do universo gospel. "Em vez de migrar para o streaming, [esse público] foi parar no YouTube, que não é o ambiente ideal de consumo de música", diz Mauricio Soares, diretor de artistas e repertório da divisão gospel da Sony Music.

Em um pacto não tão comum na indústria fonográfica, a Sony e outras seis gravadoras lançaram nesta quarta (1º) um teaser da campanha #VemProStreaming, que será promovida oficialmente nas próximas semanas.

A ideia é incentivar esse público ainda alheio ao digital, além de usuários do YouTube, a consumir música gospel em plataformas que revertem as reproduções de faixas em receita a partir de cálculos considerados justos.

De acordo com a pesquisa YouTube Insights 2017, o gospel é o sexto gênero musical mais visto entre os que consomem música na plataforma, atingindo 26% dos usuários no Brasil. Ao fazer seu saldo anual no fim de 2016, o Spotify posicionou a vertente brasileira do gospel no nono lugar entre os dez gêneros emergentes ao redor do globo.

Cerca de 22,2% da população declarou-se evangélica no Censo Demográfico 2010. Estima-se que atualmente esse número seja ainda maior, podendo representar até um terço dos brasileiros. Soares calcula que nem 5% da população evangélica acesse o streaming. Não é à toa, portanto, que a fatia esteja moldando estratégias do mercado.

BUSCA POR FIÉIS

Mesmo com uma adesão considerada ainda tímida dos fãs no meio digital, o catálogo gospel correspondeu a 18% do lucro líquido da Sony no Brasil em 2016, afirma Soares –a empresa não abre o valor.

"É bastante coisa se você considerar que o restante é Shakira, Beyoncé e padre Marcelo Rossi, por exemplo", diz o diretor. Segundo ele, cerca de 96% desse faturamento é oriundo do mercado digital.

Os números são resultados de um experimento iniciado há sete anos. Sob supervisão de Soares, que já atuou em gravadoras evangélicas, a filial brasileira da Sony foi a primeira a dedicar um departamento ao gospel.
Assim, a Sony conseguiu recrutar artistas do maior calibre, como Aline Barros, vencedora de seis Grammy Latinos, e Damares, que já chegou a ser a terceira artista no ranking da gravadora.

"Hoje a minha música chega mais na cara das pessoas e talvez quem não tinha tanta afinidade com a minha música possa ter tido algum interesse despertado", diz Barros, primeira artista gospel a conquistar mais de 1 milhão de seguidores na Deezer.

Há um ano que a plataforma tem investido no gênero com uma curadoria especializada, o que a difere de outros serviços. "No início, a música cristã estava lá em 13º lugar, hoje é o segundo gênero mais ouvido dentro da Deezer", diz o editor Lincoln Baena, que é "nascido e criado na igreja".

Tanto Soares quanto Baena reforçam a necessidade de que pessoas do meio façam as articulações com os artistas. "No passado, a indústria tentou entrar nesse universo, mas não conseguiu por causa de mentalidade e linguagem. Como vou vender uísque se não bebo uísque?", diz Baena.

Um dos deslizes mais comuns do mercado, ele diz, é tratar música cristã de uma forma homogênea. As canções católicas enaltecem inclusive santos; já as pentecostais priorizam o louvor a Deus. A Deezer distingue umas de outras em seus canais.

O serviço passou a investir em ações como lançamentos exclusivos, suporte a novos talentos e conteúdos diversos, como mensagens semanais do pastor Silas Malafaia.


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