Folha de S. Paulo


Não pode haver limite à arte, afirma André Sturm, secretário de Doria

Bruno Santos/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 18-10-2017: O Secretario da Cultura da cidade de Sao Paulo Andre Sturm, e retratado no Theatro Municipal. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-OTIDIANO *** EXCLUSIVO FOLHA***
O secretário de Cultura, André Sturm, no Theatro Municipal de São Paulo

No dia 30 de setembro, o prefeito João Doria (PSDB) criticou uma performance no Museu de Arte Moderna após a divulgação de um vídeo no qual uma criança mexia no pé do artista, que estava nu. Na ocasião, disse que "tudo tem limite" e chamou a performance de "libidinosa".

André Sturm, secretário municipal da Cultura, defende o MAM e diz que não pode haver limite à arte. "Mas nós temos de tomar cuidado em como a arte é apresentada para a sociedade", afirma.

Na entrevista a seguir, Sturm diz que, ao assumir, encontrou uma secretaria aparelhada politicamente e que quase foi agredido por aqueles que tinham medo do que ele pudesse descobrir.

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Folha- Ao falar do MAM, o prefeito disse que "tudo tem limite". Há limite para a arte?

André Sturm - De maneira nenhuma. Arte tem de ser livre. A originalidade e a criatividade fazem parte essencial da arte. Ao longo da história, artistas não foram compreendidos e depois viraram ícones. Mas esses são aqueles de que a gente lembra. Há uma série de coisas que não vamos lembrar no futuro. E há as que vamos dizer que tivemos o privilégio de conhecer. Então a arte tem de ser livre. Mas temos de tomar cuidado em como é apresentada. É importante haver classificação indicativa, que não tem caráter de censura, mas de informação. Minha mãe tem 75 anos. Não gostaria de acompanhá-la em uma exposição que tem cena de sexo, ficaria constrangido.

O MAM diz que a sala estava sinalizada. O prefeito exagerou?

Não cabe a mim analisar o que o prefeito fala, mas acho que ele tratava de uma questão mais ampla. De que as coisas precisam ter algum tipo de limite. Não acho que ele tinha todas as informações. Foi pressionado e quis fazer uma manifestação. Para mim, o que ele defende é um limite entre a arte e o acesso das crianças. Não acho que quis dizer que tem de ter limite no que pode ser feito como arte.

Cabia o termo libidinoso?

Não havia nada de libidinoso. Era um homem deitado, não estava excitado. Não que ache isso, mas o que podia ser discutido ali é a atitude da mãe que leva uma criança àquela exposição. O museu não tem responsabilidade. Não era um homem nu andando pelo MAM e que mexeu na criança. Houve uma grande falta de informação. Gente que entrou na onda do pós-verdade, viu a manchete e saiu xingando. E outras que têm interesse em combater a arte e que se aproveitaram dessa situação.

Nestes meses, houve vaias, o gabinete foi invadido e o senhor quase foi agredido. Esperava tanta oposição?

Foi muito maior do que imaginava. Ainda me causa espanto. Houve muita violência. Claro, uma vaia aqui e outra ali estava no pacote.

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SAO PAULO, SP, BRASIL, 18-10-2017: O Secretario da Cultura da cidade de Sao Paulo Andre Sturm, e retratado no Theatro Municipal. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-OTIDIANO *** EXCLUSIVO FOLHA***
O secretário de Cultura, André Sturm, no Theatro Municipal de São Paulo

Houve risco físico de fato?

Mais de uma vez. Na Câmara, quase fui linchado. Participava de uma audiência e, por uma hora e meia, todas as pessoas que se inscreveram me atacaram. Disseram que eu odiava criança e que ia promover o holocausto dos negros da periferia. Peguei o microfone e começou a gritaria. "Fora, Sturm!" Não dava para continuar. Muitas pessoas foram para perto da porta. Quatro guardas civis fizeram um murinho para eu passar. Fui saindo, até que um disse: "Corre que não vai dar para segurar". E saí correndo pela Câmara, com gente gritando "Pega!". Entrei por uma porta. Os guardas ficaram segurando enquanto as pessoas urravam. O vídeo está na internet. Gravaram e se orgulham disso. Uma mulher que diz: "Quero dar um tiro na cara dele".

E o episódio no qual o sr. disse que ia quebrar a cara de um agente cultural?

Não é querer justificar. O episódio da Câmara aconteceu numa sexta, passei o fim de semana refletindo sobre a minha vida. Na segunda, perdi a cabeça. Tínhamos ficado um mês tentando resolver o problema das ocupações culturais. Descobri uma solução, um termo de cessão provisório, e chamei o pessoal de Ermelino Matarazzo. Estava certo de que finalmente ia tirar foto abraçado com os teoricamente inimigos. Quando falo qual era a solução, o rapaz começa a me confrontar, diz que não ia formalizar nada. Perdi a paciência e disse: "Vou quebrar sua cara". Pena que não filmaram. Estava sentado e ele veio na minha direção. Falei que não ia sujar a mão e saí. Não fui para cima dele.

Houve ainda a altercação com um colega do secretariado. O sr. é estourado, agressivo?

Nunca troquei soco com ninguém. Nem na infância, nem no futebol. Agora, tenho sangue. Uma hora você perde a cabeça. Esse foi um marco do ponto em que as coisas chegaram. Estava perto quando falei: "Você não deveria ter feito isso, é um sacana, não faça mais". Alguém filmou e virou home do UOL! Às 7h, havia três jornalistas me procurando para falar da tal crise na prefeitura! Era um não assunto, com todo o respeito. Vinte minutos depois, acertamos nossos ponteiros.

A que o sr. atribuiu a oposição a sua gestão? Insatisfação com o seu trabalho?

Mas não tinha nem começado a fazer! A primeira vez que fui ameaçado foi no dia 19 de janeiro. Estava numa visita a um centro cultural onde eu tinha deixado toda a equipe da gestão passada. Eram quase todos filiados ao PT. Tinha ouvido que faziam um bom trabalho e deixei. Pensei que ia ser abraçado. Havia umas cem pessoas. Fizeram uma fila e a cada três, duas me ofendiam. Diziam que eu estava acabando com a periferia. Dia 19 de janeiro! Não tinha feito nada nem deixado de fazer. Não tinha dado tempo. As pessoas podiam achar que eu ia mexer em algo. Mas então era sacanagem. Ou seja, por eu ser uma pessoa da área da cultura, estavam com medo que descobrisse o que havia aqui. Por isso, preferiam me derrubar e ter um secretario que, de repente, nada percebesse. Eram ataques de má-fé.

O que o sr. encontrou aqui?

Havia um aparelhamento. Ao assumir, troquei poucos cargos. Achei que estavam na secretaria para fazer cultura. Em fevereiro tive de exonerar um monte de gente. Ficavam boicotando. O interesse não era a cultura, mas a política. Havia um jogo do contra.

Que tipo de boicote?

Não cumprir com as obrigações. Aquele rapaz muito gentil de Ermelino Matarazzo [o do "Vou quebrar sua cara"] recebeu da secretaria R$ 400 mil em 12 meses! Ganhou um edital para fazer generalidades. Uma pessoa na secretaria era responsável por acompanhar o contrato e ela nunca tinha pedido prestação de contas. Foram R$ 400 mil numa casa de cultura com quatro pessoas! Assim estavam as coisas. De maneira nenhuma, diria que tinha corrupção. Mas havia um aparelhamento. Depois da eleição, contrataram 80 agentes comunitários de cultura! Apresentaram um plano de trabalho que podia ser qualquer coisa. Várias dessas pessoas que invadiram a secretaria são agentes.

Havia cabo eleitoral?

Num ano eleitoral é possível que tivesse. Mas não quero fazer essa acusação. O que acho mais crítico é que a secretaria tem de ter o cidadão como foco principal. A gente quer atender e estimular a criação artística. Mas o foco tem de ser a relação com a sociedade. Levar a produção cultural até a população. Na gestão passada, não havia essa preocupação. O foco era a relação com os coletivos artísticos. Se tivesse apresentação, ok, mas não era esse o foco.

Era dinheiro para pesquisa?

Para pesquisa, um debate muito rico e proveitoso... Nós suspendemos o edital da dança e fizemos mudanças. Uma delas foi exigir dez apresentações por ano. Do ponto de vista das pessoas que tinham esse edital, não deveria haver obrigação de se apresentar. Afinal, a pesquisa pode não estar pronta depois de um ano. Isso é inaceitável.

E difícil trabalhar com um prefeito que só pensa na eleição?

Por um bom período, o prefeito estava realmente focado 100% do seu tempo na cidade. Acho que em algum momento, pode ter começado a pensar nisso. Mas ele é detalhista e atento. Isso não mudou. Nunca liguei e deixou de me retornar logo. Não vejo diferença. Estamos menos juntos fisicamente, mas ele liga dos lugares mais variados. Tem um pique impressionante.

E a política de doações?

Reformamos a fachada do Theatro Municipal assim. Mas tudo é tão complicado na administração pública que algumas empresas desistem. Há muitas amarras. Quando leio que precisamos ter mais controle, me causa calafrio. As pessoas não têm ideia do que há de controle. Claro que tem de ter. Mas o fundamental é acabar com a impunidade. Foi pego, processo e punição.

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RAIO-X

Bruno Santos/Folhapress
O secretario da Cultura da cidade de São Paulo, Andre Sturm
O secretario da Cultura da cidade de São Paulo, Andre Sturm

Nascimento
Porto Alegre, 15.jul. 1966

Formação
Administrador de empresas pela FGV-SP

Carreira
Produziu e dirigiu dois longas ("Sonhos Tropicais" e "Bodas de Papel") e quatro curtas. Foi diretor-executivo do MIS e responsável pela reabertura do cine Belas Artes em 2014


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