Folha de S. Paulo


'A Força do Querer' chega ao fim com melhor audiência desde 2012

Reprodução/Video
Cena em que Ivana (Carol Duarte) injeta hormônio para virar homem
Cena em que Ivana (Carol Duarte) injeta hormônio para virar homem

Ivana (Carol Duarte) injeta hormônio para se tornar homem. Enquanto o líquido corre para a veia, piscam imagens de corrente sanguínea e flashes de uma vida aparentemente descomplicada.

Sim, a sequência de imagens descrita acima foram exibidas por uma novela das 21h, "A Força do Querer", que acaba nesta sexta (20) com personagens afogados em traumas e audiência próxima à de "Avenida Brasil". Sucesso que, em medições na Grande São Paulo, a Globo não via desde 2012.

Os dias seguintes à cena foram dedicados ao longo e doloroso embate psicológico com a mãe (Maria Fernanda Cândido) e o pai (Dan Stulbach).

Era um núcleo secundário que eclipsou o eixo central, a disputa dos personagens de Fiuk e Marco Pigossi pelo amor de Ritinha (Isis Valverde), mocinha decalcada no mito da sereia.

Não era comum ver na TV essa relativa ousadia temática e estética. Mas a Globo subiu o tom ante a ameaça de perder público no horário, o que se esboçou na leve depressão de "A Lei do Amor".

Havia o risco de reviver ainda o ponto mais baixo do gráfico, "Babilônia", que escandalizou com um casal de lésbicas velhas (Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg) e perdeu seu equilíbrio com duas vilãs cínicas (Glória Pires e Adriana Esteves).

Para Mauro Alencar, autor de "A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil" (Senac-RJ), a capacidade de regeneração de "A Força do Querer" veio de sua espessura trágica. A autora, Gloria Perez, é conhecida por mesclar melodrama e novela-reportagem, com temáticas contemporâneas. "Mas desta vez foi bem mais agudo."

Alencar diz que "em vários momentos" o tom da novela ultrapassa o drama do cotidiano social, "em particular com Bibi Perigosa", personagem de Juliana Paes.

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AMOU DEMAIS

Ela é uma mulher que ama intensamente e sofre as consequências de sua impetuosidade. Apaixonada por um traficante, entra para a vida do crime –e gosta, o que lhe confere complexidade.

Faz selfie posando com armas e alça o posto de primeira-dama do morro (com cenas gravadas na comunidade de Tavares Bastos, no Rio).

Esse enfoque na mulher foi aposta de Perez. "Desde sempre elas tiveram protagonismo", diz a autora, "seja na literatura, no teatro, no cinema". "Ele é exercido de maneira objetiva –quando a personagem enfrenta as limitações impostas em função do gênero– ou subterrânea, seguindo regras ancestrais de dominar por meio da astúcia."

Para Perez, o realce da força feminina desestabiliza o papel do macho e se reflete na trama. "Os homens ficam desconfortáveis no lidar com elas. E é natural que fiquem", considera. "Eles vêm de tradição de rigidez. Estamos em fase de adaptação a novos códigos de comportamento."

O movimento das mulheres pela conquista de espaço começou há décadas. "Os homens começaram mais recentemente esse processo de redefinir o masculino. Isso pode explicar esse desconforto que a gente percebe na vida real", conclui a autora.

Colaborou SARAH MOTA RESENDE


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