Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Com 'estilo Scorsese', 'Bom Comportamento' é impactante

A24 via AP
Robert Pattinson em cena do filme 'Bom Comportamento, dos irmãos Safdie
Robert Pattinson em cena do filme 'Bom Comportamento, dos irmãos Safdie

BOM COMPORTAMENTO (muito bom)
(GOOD TIME)
DIREÇÃO Josh e Benny Safdie
ELENCO Robert Pattinson, Taliah Webster e Jennifer Jason Leigh
PRODUÇÃO EUA, 2017, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (19)
Veja salas e horários de exibição

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O fato de Martin Scorsese ser o primeiro nome na lista de agradecimentos nos créditos finais de "Bom Comportamento" reafirma as matrizes com as quais Benny e Josh Safdie dialogam no terceiro e mais impactante longa de ficção que assinam juntos.

A comédia de aflições "Depois de Horas" (1985), de Scorsese, pulsa a cada passo do trajeto desnorteado de Connie Nikas, o protagonista assumido com desenvoltura por Robert Pattinson (de "Crepúsculo" e "Cosmópolis").

A árvore genealógica ainda poderia incluir "Operação França" (1971), de William Friedkin, e "Um Dia de Cão" (1975), de Sidney Lumet, referências de um momento em que o cinema americano reativou o realismo para refletir a degradação das ruas e tornar evidente uma crise que já se instalara, corroendo antigos ideais.

"Bom Comportamento", no entanto, não se esgota na simulação, no pastiche convincente de títulos de uma geração cultuada.

Sua estética suja e deteriorada reflete um estado das coisas semelhante, se não piorado, da vida urbana contemporânea, em que a ordem não apaga o sentimento de precariedade.

Nessa visão de mundo em que cada um vive como pode, os personagens de "Bom Comportamento" são definidos, de um lado, por falhas de comunicação e, de outro, pela perda de laços e pela solidão.

A cena inicial, por exemplo, acompanha Nick (interpretado pelo próprio Benny Safdie), o irmão deficiente de Connie, numa sessão de terapia na qual se mostra a violência como resposta à ruptura dos vínculos.

Dali até o final do filme, quando Nick entra novamente em cena, seguiremos Connie em um percurso marcado por erros, bloqueios, rupturas e desencontros.

A cada etapa surgem personagens que acentuam a desorientação, reiterando a impressão de uma história sem sentido, na contramão das narrativas de entretenimento em que desafios são cumpridos, e metas, superadas.

Aqui, ao contrário, ficamos presos num círculo infernal, numa eterna Lei de Murphy, negação da crença hollywoodiana de que o progresso conduz à felicidade.

Nesse sentido, "Bom Comportamento" reivindica a tradição do cinema independente americano, aquela dos personagens à margem da vida, mas sem adocicá-los com a máscara da fofice, estereótipo que ficou colado ao gênero "indie".

Sua energia contagiante também vem do modo como os Safdie evoluíram sua proposta estética, adequando o estilo áspero com uma visão de mundo em que todas as saídas foram bloqueadas.

Além da criação colaborativa dos irmãos Josh e Benny, a imagem sinistra da fotografia de Sean Price Williams e a trilha de ritmos abstratos de Oneohtrix Point Never intensificam o realismo ao mesmo tempo brutal e onírico, que pode não ser original, mas impacta.

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