Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Moralismo e vazio legal dificultam autoclassificação em exposições

Está em curso no Brasil uma onda de ataques a exposições e a artistas que ultrapassou os limites da divergência e da liberdade de expressão para ingressar no terreno da difamação.

A acusação de pedofilia, por exemplo, imputada por grupos ultraconservadores nas redes sociais ao artista que apresentou a performance "La Bête" no Museu de Arte Moderna de São Paulo é insustentável à luz da lei –e o inquérito sobre o caso chegará a esta conclusão.

A reação contra elites liberais no terreno moral e contra movimentos identitários não é exclusividade do Brasil, onde vivemos uma espécie de reprise na internet da "revanche da província" (lembrando aqui uma expressão usada pelo crítico Roberto Schwartz ao analisar as reações ideológicas que se seguiram ao golpe de 1964).

O ultraconservadorismo e a "guerra cultural", como se sabe, estão presentes em diversos países. E já vêm de décadas –pelo menos desde 1989 quando a galeria de arte Corcoran, em Washington, cancelou, sob pressões comandadas por parlamentares de direita, a mostra itinerante do fotógrafo Robert Mapplethorpe prevista para chegar àquele espaço.

É nessa atmosfera de caça às bruxas que o Masp inaugura a exposição "Histórias da Sexualidade".

Pela primeira vez a instituição terá uma mostra de arte com classificação indicativa para maiores de 18 anos.

Há, segundo especialistas, uma lacuna na legislação no que tange a museus e exposições. Esse vazio leva essas instituições a terem que trabalhar com normas genéricas ou analogias com a regulamentação para filmes e outros espetáculos.

É uma situação problemática, já que as artes têm suas especificidades, sua história e suas linguagens –que nem sempre podem ser reduzidas a padrões, por exemplo, do cinema ou do teatro.

O Masp consultou um escritório de advocacia, que com base na legislação vigente considerou que a mostra encaixava-se na faixa dos 18 anos. Não se trata apenas de "nu artísticos". Há obras transgressoras e agressivas diretamente associadas a sexo explícito e violência –tópicos que justificariam a autoclassificação escolhida.

Algumas pessoas do meio artístico consideraram a decisão muito conservadora, um recuo diante dos ataques.

Defendem que teria sido melhor optar por 16 anos, faixa em que os pais poderiam decidir levar filhos mais novos. Afinal, se com 16 anos pode-se votar, porque não ver conteúdos sexuais que qualquer um facilmente consegue acessar na internet?

Sugeriu-se também que as obras mais " pesadas" poderiam ser reunidas numa sala fechada. Em tese seria possível, mas um cercadinho "hard-core" quebraria a narrativa da curadoria –e poderia parecer um tanto bizarro.

O caso indica que cabe ao meio artístico se mobilizar (como está ocorrendo) para propor uma regulamentação que faça sentido e não se deixe contaminar pelo clima de exasperação do momento.


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