Folha de S. Paulo


Crítica

Com pequenos deslizes, Balé da Cidade debate o controle social

Wilian Aguiar/Divulgacao
Cena de
Cena de "Anatomia 01", coreografia de Francesca Harper para o Bale da Cidade de São Paulo

Há anos não víamos uma mulher coreografando para o Balé da Cidade de São Paulo. Francesca Harper, primeira convidada de Ismael Ivo para criar para a companhia, rompe essa triste tradição com "Anatomia 01", que estreou no Theatro Municipal.

Seu histórico, com passagens pela companhia de dança Alvin Ailey e pelo Ballet de Frankfurt, trouxe expectativas para a coreografia, atendidas por uma movimentação de desconstrução do vocabulário do balé clássico, usada para discutir questões de gênero, ampliadas em uma reflexão sobre poder e controle na sociedade.

Um prólogo esclarece o tema com uma leitura de regras, que determinam formas de comportamento. A ideia é boa e dialoga com o momento atual da arte brasileira. Porém, infelizmente, essas regras aparecem quase que gratuitamente na obra: passada a cena, são deixadas de lado –mas não como se houvesse uma transgressão, e sim como se nunca tivessem existido.

Num exercício de dissecação, a obra mostra o corpo como reflexo de uma anatomia social, ilustrando seus limites e seus deslizes, dentro de um conjunto de expectativas. O aspecto de vida em sociedade é bem ilustrado, inclusive com uma sugestão de corte, alimentada pelos figurinos pomposos e pela trilha sonora, que alterna Bach e Hindemith com momentos de silêncio.

Nesse retrato de etiqueta, o escape se dá nos muitos deslizamentos de pés da movimentação. Especialmente bem pensados são os trechos para o elenco feminino –e ainda que não carregue em si algo de inovador, o uso de pontas é tão inesperado para a companhia que mantém um tom de novidade.

Ainda é muito cedo para revermos "Risco", obra de março, apresentada na segunda parte do programa. Mas ela e "Anatomia 01" são coelhos da mesma cartola, o que faz a escolha ao mesmo tempo compreensível e previsível.

"Risco" coloca São Paulo em cena, com seus moradores de rua, seus grafites, sua imensidão. A coreografia, que não foi assinada na temporada de estreia –só agora recebendo o nome de Ivo–, está coberta por efeitos: projeções, painéis, tinta, água, bailarinos suspensos. E o resultado final desvia da dança.

Juntas, as obras sugerem uma missão pontual: discutir o agora. É como metáforas da sociedade (e dessa cidade) que entendemos esses corpos em cena. Por esse motivo eles nos falam forte e alto. Mas resta ver se essa mensagem resistirá ao tempo, ou se será depressa desgastada, no piscar de olhos da passagem de um ano ao outro.

ANATOMIA 01
QUANDO: no sáb (14), às 20h e no dom. (15), às 17h
ONDE: Theatro Municipal De São Paulo (Pç. Ramos de Azevedo, s/nº, 11-3053-2090)
QUANTO: de R$ 10 A R$ 40
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos

RISCO
QUANDO: no sáb (14), às 20h e no dom. (15), às 17h
ONDE: Theatro Municipal De São Paulo (Pç. Ramos de Azevedo, s/nº, 11-3053-2090)
QUANTO: de R$ 10 A R$ 40
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos


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