Folha de S. Paulo


João Bosco lança álbum 'Mano Que Zuera', primeiro inédito desde 2009

Flora Pimentel/Divulgacão
O músico mineiro ‘carioca’ João Bosco
O músico mineiro ‘carioca’ João Bosco

Chegar à casa de João Bosco para entrevistá-lo sobre seu novo CD, "Mano que Zuera", exigiu passar por blindados do Exército e soldados.

A operação que cerceia a vida dos moradores da Rocinha também afeta os bairros vizinhos à favela, como a Gávea (zona sul do Rio), onde o compositor reside.

O cenário inquieta um artista que viveu sob a ditadura militar, teve obras censuradas e criou, com o parceiro Aldir Blanc, uma canção que contribuiu para encerrar aquele ciclo histórico. "O Bêbado e a Equilibrista", hino pela anistia aos exilados, completará 40 anos em 2018.

"A esperança se equilibra, fica na corda bamba. A gente está se deparando com coisas que são um retrocesso", afirma Bosco, que tem longas conversas diárias com Blanc.

"Não pensávamos em viver isso novamente, aos 71 anos. Havia conquistas que já pareciam resolvidas, como a redução das distâncias sociais. Mas fugir, só para frente. Vamos continuar fazendo música."

O CD é o primeiro de inéditas desde "Não Vou pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão" (2009). Em "40 Anos Depois" (2012), ele rearranjou composições próprias e alheias.

Como todos os de Bosco, o disco faz uma aposta na música contra o desalento brasileiro de cada dia. O repertório de 11 faixas está longe de fazer tratados sobre as agruras políticas, sociais e culturais do momento, mas não foge do assunto. "Vamos navegando com o país. O país vai, a gente vai. O país retrocede, a gente tem que falar disso", diz ele.

"Nenhum Futuro", uma das cinco parcerias com seu filho, Francisco Bosco, é um retrato amargo do Brasil. O verso "Eu suspeito que estamos fodidos enfim" remete a um artigo publicado na Folha, em 2014, pelo artista plástico e escritor Nuno Ramos.

"Essa canção é um choro meio bolero. Um choro pelo Brasil", classifica Bosco. "É a música tentando empurrar para frente. Como já disse o Aldir, quando você tropeça, também vai para frente."

A dupla comparece no CD com uma inédita e uma regravação. A novidade é "Duro na Queda", um samba com "gostinho de alguma coisa que a gente não tinha experimentado antes".

"Eu e Aldir somos mais exigentes com a parceria. Desviamos do que já fizemos em vez de irmos ao encontro."

"João do Pulo", homenagem ao atleta João Carlos de Oliveira (1954-1999), foi gravada à capela em 1986. Agora, o violão e a percussão a deixaram mais próxima de seu DNA de samba-enredo.

Bosco a emendou com "Clube da Esquina nº 2" (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges), numa suíte inesperada. "Eu sempre ouvi esse 'Clube da Esquina' como sendo de um universo indígena. E o João do Pulo na letra é um João 'afrotupi'. Na suíte, o João encontrou a sua parte tupi", explica.

Chico Buarque escutou e aprovou a nova versão de "Sinhá", parceria que os dois lançaram em 2011 –agora, apenas com violões e bandolim.

"Eu não quis fazer a mesma coisa. Fui procurar em outra África, na música de Cabo Verde, a morna", conta. Pilar da música afro-brasileira, Moacir Santos (1926-2006), tem sua "Coisa nº 2" interpretada com vocalizes e violão.

Candidata a faixa mais comovente, "Onde Estiver" tem letra de Francisco Bosco sobre pais e filhos.

"Chico nasceu em 1976. Julia, em 80. Eu viajava muito, por causa dos shows. Era um pai ausente e tinha consciência disso. Mas a vida continua. Se você consegue continuar com ela, lá na frente vai poder consertar. Eu me sinto recompensado. Aquela ausência não provocou nenhum dano."

Ele tem novos parceiros: o baiano Roque Ferreira em "Pé-de-vento" e o paulista Arnaldo Antunes em "Ultra Leve", canção que destaca belezas do Rio e na qual Julia Bosco faz duo com o pai.

A cidade adotada há 44 anos por Bosco, mineiro de Ponte Nova, é a personagem da faixa final, "Quantos Rios". Sua melodia e os versos de Francisco renovam a confiança nesse lugar que agoniza, mas não morre. "É a aposta num Rio mais unido, menos partido. Conclama os parceiros a ir à luta de novo."

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MANO QUE ZUERA
ARTISTA João Bosco
GRAVADORA MPB/Som Livre
QUANTO R$ 29,90


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