Folha de S. Paulo


Festival do Rio recebe 'As Boas Maneiras', filme brasileiro de lobisomem

Ao apresentar o filme "As Boas Maneiras", que fez sua estreia brasileira na noite de sexta (6), no Festival do Rio, a produtora Sara Silveira deu a dica: "Hoje é noite de lua cheia. Talvez vocês abram mais os olhos ao sair daqui."

A atriz Betty Faria, que estava na sessão como espectadora, não teve tempo nem para isso. Gritou de medo já durante a sessão desse filme, dirigido pelos paulistas Juliana Rojas e Marco Dutra, dupla autoral que constantemente envereda pelos longas de gênero.

Aqui, os cineastas contam uma história de lobisomem ambientada nas ruas de São Paulo usando referências dos filmes de horror dos anos 1940 produzidos pela Universal.

Como é comum na obra dos dois diretores, o gênero é o meio para vocalizar questões de classe social, no caso entre a filha de um fazendeiro que se muda para a capital paulista e uma babá que mora na periferia.

A produção franco-brasileira, que abriu a competição de longas brasileiros de ficção na mostra carioca, ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno, na Suíça.

A portuguesa Isabél Zuaa ("Joaquim") interpreta Clara, uma enfermeira que vive "do outro lado" da marginal Pinheiros e aceita trabalhar de babá num apartamento "do lado de cá", onde mora Ana (Marjorie Estiano), caipira endinheirada que foi expulsa da fazenda de seu pai ao engravidar.

No princípio, parece que estamos diante de uma típica obra de realismo social brasileiro: Clara aceita o emprego, mas se vê obrigada a se dobrar também nas funções de empregada doméstica e de pajear Ana carregando suas sacolas de compras em shoppings.

Mas o sobrenatural brota logo: os chutes que o bebê dá na barriga da mãe são muito fortes, e nas noites de lua cheia, a patroa vira sonâmbula, vaga pela cidade sozinha e tem um apetite enorme por carne. Embora não seja um filme de sustos, uma das cenas, envolvendo um inocente gatinho, foi a que fez Betty Faria pular em sua cadeira.

O longa muda de registro em sua segunda metade, quando abraça com mais força a história de lobisomem, no caso, de um lobisomem que está sujeito às contradições sociais do Brasil. Os elementos de terror, contudo, não amainam a ternura do retrato que o filme faz sobre maternidade.

Junto do também diretor Caetano Gotardo e de outros nomes, Rojas e Dutra integram um coletivo de cineastas paulistas chamado Filmes do Caixote. Os dois, que dirigiram juntos "Trabalhar Cansa" (2011), também se desdobram em outras funções nos longas que cada um dirige, como "Quando Eu Era Vivo" (2014), de Dutra, e "Sinfonia da Necrópole" (2014), de Rojas.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI viaja a convite do Festival do Rio


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