Folha de S. Paulo


Em alta, modelo trans Valentina Sampaio estreia no cinema

Fernanda Paradizo/Fotoarena/Folhapress
Valentina Sampaio, a primeira modelo transgênero na história da L'Oréal
Valentina Sampaio, a primeira modelo transgênero na história da L'Oréal

Paris esbanjava euforia na tarde de domingo passado (1º) para celebrar a beleza da cidade e das mulheres no desfile da grife de cosméticos L'Oréal. Entre as beldades que posavam para fotos ao lado das atrizes Helen Mirren e Jane Fonda, estava Valentina Sampaio, 20, única brasileira em uma seleção que incluía tops como Doutzen Kroes, Joan Smalls e Barbara Palvin.

Transexual e com pouco mais de um ano de carreira no exterior, a modelo já estampou capa da "Vogue" francesa, campanha da Balmain e, no sábado (7), estrearia no cinema em "Berenice Procura", de Allan Fiterman, dentro do Festival do Rio.

A via-crúcis de Isabelle, cantora a cuja identidade Valentina dá corpo e alma no longa, em nada se compara à trajetória da modelo, segunda filha de um pescador e uma professora primária da pequena Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza (CE).

Ao contrário de sua personagem, renegada pela família biológica, a modelo e atriz foi aceita desde cedo pelos pais e pelas pessoas que acompanharam sua mudança.

Ainda na escola, aos dez anos, passou a ser chamada pelo nome social. O da certidão de nascimento ela não revela e, hoje, tenta colocar no registro social aquele que escolheu para a vida.

"Percebi que havia algo diferente em mim quando me colocavam roupas de menino e eu não me reconhecia. Sempre me senti mulher, e isso logo ficou claro para todo mundo", conta à Folha.

Foi só após se mudar para Fortaleza, onde cursou moda em uma faculdade e começou por brincadeira uma carreira em frente à câmera, que sentiu o incômodo dos outros sobre sua condição.

"Estava tudo bem, até que comecei a perder trabalhos, já agendados, quando o dono da marca ou da loja descobria que eu era transgênero. Sempre diziam, 'O que meus clientes vão pensar?', e comecei a me sentir errada", relembra a modelo. "Daí percebi que isso seria um motivo para lutar por mim."

O nocaute veio em 2015, quando o diretor Allan Fiterman escalou Valentina para o papel em seu filme.

A modelo se preparou por três meses, com aulas de atuação, corpo e canto, e encarou o set antes mesmo do estouro na moda, que ocorreu em 2016, quando a L'Oréal a convidou para gravar um vídeo para o Dia Internacional da Mulher, e a "Elle" brasileira lhe deu a primeira capa.

O filme trata de Berenice (Claudia Abreu), taxista que, violentada pelo marido (Eduardo Moscovis) e cansada do trabalho, se envolve numa trama policial para investigar a morte de uma cantora transgênero chamada Isabelle.

"Não queria atrizes para o papel, por achar mais interessante mostrar trans fazendo o papel de trans. Mas não poderia ser alguém 'fake'. A Valentina tem uma pureza que a torna genuína", explica Allan Fiterman. Ele também é um dos diretores da novela "A Força do Querer", da TV Globo, cuja trama levanta a temática dos transgêneros.

Participam do longa a atriz Vera Holtz, o ator Emílio Dantas, o cantor Johnny Hooker e as transexuais Carol Marra, também modelo em ascensão, e Thalita Zampirolli.

A reportagem apurou que o filme foi incluído na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a ser realizada entre os dias 19 deste mês e 1º de novembro.

TRANS-FORMAÇÃO

Valentina figura ao lado da brasileira Lea T. e da bósnia Andreja Pejic no olimpo de uma safra de modelos transexuais, masculinos e femininos, que tomaram revistas e campanhas nesta década.

Além do trio, a americana Hari Nef estrela campanha de um perfume da Gucci, e três transexuais estampam peça publicitária da grife Proenza Schouler lançada em abril.

"Seria mentira dizer que não há mais preconceito [contra trans], mas a moda se tornou uma das áreas mais abertas para a mudança de pensamento sobre sexualidade e beleza", diz Valentina.

Aberta, sim, mas ainda não ao ponto de realizar o maior sonho da modelo: tornar-se a primeira transexual no time das tops "mais sexy do mundo", o das "angels" da grife Victoria's Secret.

No último mês, aventou-se a possibilidade de Valentina integrar o "casting" do desfile anual da marca, que tem as brasileiras Adriana Lima, Alessandra Ambrósio e Laís Ribeiro no portfólio. O boato, porém, não se confirmou.

"Tudo acontece na hora certa. Há até pouco tempo, ficava ansiosa para receber um telefonema [da Victoria's Secret]. Hoje, rezo todos os dias e agradeço a Deus pelo que me aconteceu", afirma.

A modelo se diz religiosa e vê com assombro propostas de "cura gay" que ganharam o noticiário recente.

"É tão absurdo pensar que esse discurso coloca minha sexualidade como doença. Doentes são os que pensam assim." Ela completa: "Nunca me senti diminuída e recomendo a quem se sinta atingido que não o faça; somos especiais assim, do jeito que nascemos".


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