Folha de S. Paulo


Análise

Contra revival barato, Hermès recicla cores e materiais em Paris

O padrão da moda do século 21 é fazer com que em um espaço de seis meses um "novo" apareça. Uma nova bolsa, uma nova silhueta, uma nova cor.

No balaio de referências do passado, única alternativa para criar tanto pano, boa parte das grifes se perde em discurso barato, em déjà-vu maçante. É contra esse selo de validade que a Hermès luta em seu verão 2018.

Em uma semana de moda de Paris adormecida em elucubrações sobre um futuro cor-de-rosa no qual todo mundo usa estampa de flor, a grife provou, no desfile desta segunda (2), no Palácio Chaillot, que não é preciso ir longe no pensamento para criar moda genuína.

A estilista Nadège Vanhee-Cybulski, guardiã do estilo da marca de moda mais valiosa do mundo depois da Louis Vuitton, cortou embalagem nova para o classicismo francês em roupas feitas para serem olhadas de perto, tocadas e reviradas.

À primeira vista, um conjunto de duas peças é apenas um conjunto de duas peças. No caso desta coleção, é um top de estilo avental com pedaços removíveis combinado a calças de cintura alta, tudo feito de pele de bezerro tingida de ultravioleta, um roxo profundo.

Um casaco tampouco é apenas um casaco, mas uma peça cortada e unida por "lacets", como uma renda feita toda de couro. Uma peça criada para sobrepor um vestido da seda mais pura do mercado, estampada com motivos equestres que identificam o legado da marca.

Nem mesmo o jeans se resume a um jeans quando vira peça trabalhada em linho e algodão, combinada a uma blusa de ombros arredondados com detalhes em relevo.

Etiqueta preferida de uma elite discreta, avessa aos holofotes e que parece só dar as caras em competições de hipismo e nos desfiles da marca, a Hermès não ostenta o brilho das lantejoulas do tapete vermelho, porque prefere o brilho do couro tratado em seus ateliês e o da seda fina –em parte produzida no Paraná e cujo fio ultrafino só a marca possui na Europa.

A cartela de cores, sempre enxuta, revela combinações de vermelho vinho, bege lavado, preto azulado "como a noite" e um azul molhado, mais claro que um tom piscina –segundo o livro de cores distribuído na apresentação, "quando o azul não é azul".

O grande trunfo do verão da marca é o jogo de é e não é, no qual uma peça parece simples quando, na verdade, é trabalhada em diversas camadas de ideias, proporções e materiais.

Todas as partes desse estudo de Vanhee-Cybulski sobre a funcionalidade da roupa podem ser desmembradas como poesia, que resulta em uma imagem de elegância perdida em meio à "surra de likes" de desfiles midiáticos e aos "looks do dia" de blogueiras pagas para usar uma roupa e postá-la nas redes sociais.

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HERMÈS (ótimo)


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