Folha de S. Paulo


Lillian Ross, precursora do jornalismo literário, morre aos 99, nos EUA

Ana Carolina Fernandes/Folhapress
A jornalista Lillian Ross, em Paraty, durante a Flip de 2006
A jornalista Lillian Ross, em Paraty, durante a Flip de 2006

Quando veio à Flip, em 2006, era comum ver Lillian Ross na sala de imprensa com os "colegas" jornalistas, checando e-mails, enquanto os mortais esperavam sua vez de usar o computador. Os desatentos achariam ser ela mais uma repórter entre tantos, não uma veterana do jornalismo, já com 89 anos.

Ross, que foi uma das precursoras do jornalismo literário, morreu, nesta quarta-feira (20), nos EUA, em decorrência de um derrame. Ela tinha 99 anos e deixa um filho, Erik.

A jornalista foi a repórter mais longeva da "New Yorker", revista conhecida pela qualidade de seus textos e reportagens. Ela começou a trabalhar na publicação em 1945.

Ao personificar, com seu trabalho, a imagem da "mosca na parede" -metáfora para o repórter que, invisível, tem acesso privilegiado a momentos íntimos de seus personagens-, Ross ajudou a criar o jornalismo literário, gênero que trazia as técnicas da ficção para as histórias reais.

As técnicas eram as mesmas do realismo literário de Balzac: as descrições significativas, os detalhes importantes, os diálogos reveladores e a construção de cenas. Um estilo que fazia parecer que tudo era invenção, quando era tudo verdade.

Em 1950, Ross foi enviada a Hollywood para acompanhar as filmagens de "A Glória de um Covarde", de John Huston. Acabou propondo ao editor William Shawn escrever a reportagem como um romance.e.

A série saiu em cinco números da revista, em 1952, e no livro "Filme" (publicado no país pela Companhia das Letras) —considerado um "romance de não ficção", expressão que Truman Capote depois usaria para definir seu "A Sangue Frio" (1966).

Ross deixou outros textos que se tornaram clássicos do jornalismo, como um perfil do escritor Ernest Hemingway (que a chamava de "filha"). O texto saiu em 1950. Logo sua prosa passou a ser tão elogiada quanto a de notórios estilistas da revista, como John Hersey e Joseph Mitchell.

Ela começou na "New Yorker" numa era em que não se contratava mulheres para as redações —teve sua chance porque os homens tinham ido servir na Segunda Guerra Mundial.

Em 1998, seria critica ao revelar, no livro "Here but Not Here", o caso de décadas com William Shawn, lendário editor da revista, que costumava ser discreto quanto a sua vida privada. Ele já havia morrido, mas sua mulher ainda estava viva quando o livro saiu. Em entrevistas posteriores, Ross diria que Shawn foi o "amor da sua vida".

Ela deixaria a revista em 1987, quando o editor foi demitido, dois anos depois de a publicação ter sido comprada pela Condé Nast, mas retornaria anos depois.

Alguns tiveram a chance de vê-la em ação, em 2006, durante a Flip. No tradicional almoço que Dom João Henrique de Orleans e Bragança, o Dom Joãozinho, oferecia aos autores da festa literária, o príncipe foi interrogado pela jornalista.

Em dado momento, ela perguntou: "É verdade que apenas 10% das pessoas no Brasil sabem que você existe?". Diplomático, Dom Joãozinho respondeu, rindo: "Bom, mas 10% é bastante, no Brasil há muita gente".

Mais tarde, ela publicaria um texto sobre o príncipe na revista.

Ross tinha suas críticas aos adeptos do "novo jornalismo", a quem chegou a acusar de só querer fama e dinheiro.

"Eles estragaram tudo, porque tomaram liberdades com os fatos, descreveram o que as pessoas 'pensaram' etc. Sempre acreditei que era possível mostrar o que ela pensavam por suas palavras e ações. Acho que a maior parte dos que usam jargões como "novelas de não-ficção" ou "new journalism" está tentando se autopromover", disse ela certa vez em entrevista à Folha.


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