Folha de S. Paulo


Longas sobre angústias espirituais aterrissam no Festival de Toronto

Divulgação
Alicia Vikander e James McAvoy em cena do filme 'Submersão
Alicia Vikander e James McAvoy em cena do filme 'Submersão'

A angústia espiritual e seus desdobramentos religiosos estão no cerne dos novos filmes de dois cineastas aclamados que apresentaram seus longas no Festival de Toronto: o alemão Wim Wenders e o americano Paul Schrader.

"Submersão", de Wenders, contrapõe a história da pesquisadora aquática Danielle, vivida por Alicia Vikander, e a do espião britânico James, interpretado por James McAvoy. Os dois se apaixonam, mas são forçados a se separar no longa inspirado em obra de J. M. Ledgard.

Enquanto Danielle arrisca a pele em missões submarinas para estudar a geografia do oceano profundo, James corre risco ao cair refém de jihadistas da Somália.

A contraposição é clara: Danielle se defronta com o começo e o fim da vida sob uma ótica científica; cativo dos terroristas islâmicos, James se depara com as mesmas questões, mas as apreende sob o ponto de vista da religião de seus sequestradores.

A questão religiosa não é estranha à obra de Wenders, que tem uma vasta filmografia ancorada na busca espiritual de seus personagens solitários.

"Asas do Desejo" (1987) trazia anjos circulando pela vida mundana de Berlim. "Medo e Obsessão" (2004) fala de uma missionária que volta para uma América paranoica pós-11 de Setembro.

No longa, James admira a fé como força propulsora dos jihadistas –uma das provocações com que o espectador é instigado por Wenders, hoje um assíduo frequentador de cultos protestantes.

A crítica, contudo, não se sentiu particularmente comovida. Para o "Guardian", McAvoy e Vikander "se afogam num romance encharcado"; para a "Variety", o que submergiu foi o cinema de Wenders.

Se a fé e o caminho ao sagrado são pertinentes à obra de Wenders, na de Paul Schrader eles soam como alienígenas. O americano, roteirista dos contundentes "Taxi Driver" e "Touro Indomável", não é exatamente conhecido por filmes de elevação espiritual.

Mas é isso que ele obtém em "First Reformed". No interior dos EUA, Toller (Ethan Hawke) é um pastor que passa a se defrontar com questões fatalistas após o suicídio de um de seus fiéis, um ambientalista radical. Na espiral alcoólica em que o religioso se afunda, fatalismo cristão e cataclismo ecológico caminham de mãos dadas e sem qualquer chance de salvação.

Schrader, diretor dos acelerados "Gigolô Americano" e "Temporada de Caça", reserva sangue apenas para cenas de martírio. "First Reformed" é contemplativo e se demora em longas cenas de tom transcendental.

Mas não deixa de ser um filme com a assinatura de Schrader. Desde o final dos anos 1960, seus roteiros são os que mais traduzem as angústias existenciais do homem americano. A única diferença é que aqui ela não descamba necessariamente em violência, mas se espraia em epifania sagrada.

Religiosidade também assenta a alegoria tortuosa de "Mãe!", de Darren Aronofsky, que também deu as caras em Toronto, mas com alguma decepção. Na trama, um casal (Jennifer Lawrence e Javier Bardem) tem a casa tomada por intrusos, que interrompem a paz do lugar em que eles levam uma vida idílica.

Numa sucessão de eventos absurdos, o diretor leva o espectador para cenas com fogo, sangue e cultos inflamados –uma visão algo judaico-cristã sobre as origens da criação, mas filmada sob um inusitado ponto de vista feminino (a mãe do título, interpretada por Lawrence).

O resultado, contudo, como é praxe nos filmes de Aronofsky, passa muito do tom.


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