Folha de S. Paulo


Vi o início e agora estou vendo o fim da TV, diz Lima Duarte, que estreia filme

"Eu penso muito nas coisas", diz Lima Duarte enquanto repousa a xícara de café sobre a mesa. "E estou numa onda de falar o que eu penso."

Aos 87, o ator conta ser sincero com seus diretores quando não gosta do resultado do trabalho. Aponta problemas até em seu clássico "Sargento Getúlio" (1983), de Hermano Penna. "Todos os diretores, na verdade, são grandes amigos meus. Mas que eu brigo, brigo", ri ele.

Quanto ao seu trabalho mais recente no cinema, "Deserto", que estreia nesta quinta (14) no circuito, Lima chama de "corajosa" a adaptação de Guilherme Weber para o romance "Santa Maria do Circo", de David Toscana.

Weber (que assina sua primeira direção de filme) faz do universo fantástico do autor mexicano uma espécie de alegoria da formação do Brasil, tudo narrado por uma trupe de artistas mambembes.

Viajando pelo sertão, encontram água numa cidadezinha fantasma e decidem ficar ali, cada um sorteando um papel (o médico, a prostituta, o negro, o padre etc.) para desempenhar nessa nova sociedade. Lima é o líder da trupe, um idealista que discorda do caminhar retrógrado de seus colegas.

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"Com todos os diretores com que trabalhei, voltei a filmar. Quem sabe com ele [Weber] também. Até com o Manoel de Oliveira eu trabalhei de novo", lembra Lima, que fez dois filmes, "Palavra e Utopia" (2000) e "Espelho Mágico" (2005), com o português, morto em 2015, aos 106.

Havia um terceiro projeto, uma adaptação do conto "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, que Oliveira rodaria com Lima e Fernanda Montenegro. "E ainda quero ir a Portugal para comprar esse roteiro", diz o ator.

Com Fernanda, o intérprete também gravou "O Juízo", filme de Andrucha Waddington, e está escalado para a próxima novela das 21h da Globo: "O Outro Lado do Paraíso", escrita por Walcyr Carrasco. "É um nome horroroso. Parece filme de 'Sessão da Tarde', comenta Lima, que fará um par romântico com a atriz.

"Eu tenho 87, ela é mais velha [cinco meses] do que eu. Dá pra ser romântico o par? A rival dela é a Laura Cardoso, que tem 90. São 300 anos de amor. Podiam mudar o nome da novela pra '300 Anos de Amor'. É mais curioso."

COMEÇO AO FIM

Com 60 novelas e 46 anos de Globo, Lima diz que já fez "coisa demais". "Eu vi o começo do rádio e o fim do rádio, o começo da TV e estou assistindo ao fim da TV", afirma ele, segundo quem a produção televisiva foi muito alterada pela internet e pelos serviços de streaming.

"A internet é uma Revolução Francesa. Não sei o que virá, ninguém sabe. E também não me interessa, não estarei aqui para ver. Venha o que vier, não conte comigo."

Aos palcos, afirma não ter interesse em retornar, mas lembra saudoso dos tempos de Teatro de Arena ("aquilo era uma trincheira"), que ele integrou até o fim do grupo, em 1972 –segundo ele, o término se deu durante uma turnê no sul da França: "Nas brumas mediterrâneas de Marselha, eu vi o Arena acabar".

Hoje Lima mora num sítio no interior de São Paulo. Em sua casa, assiste a filmes em um "cineminha" montado ali.

Diz que sai vez ou outra e que hoje é, para a televisão, como um Moisés em novelas bíblicas da Record. "Sempre que vai mal a coisa, eles põe o Moisés abrindo o mar. Se precisar, estou aqui, me chama que eu vou lá abrir o mar."


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