Folha de S. Paulo


Curador de mostra cancelada diz que Santander infringiu regras básicas

Gaudêncio Fidelis, curador da exposição "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", mostrou decepção com a posição do Santander Cultural, que neste domingo (10) validou protestos contra o que considerou serem "obras de teor sexual" e cancelou mostra em sede de Porto Alegre.

"O Santander infringiu as regras mais básicas de direito, de respeito e de consideração aos artistas presentes, sem inclusive consultar a curadoria e sem considerar que estávamos realizando um trabalho de construção de conhecimento", reclama.

"Isso não faz parte de nossa visão de mundo, nem dos valores que pregamos. Por esse motivo, encerramos antecipadamente a mostra", informou o banco em comunicado.

A controvérsia começou na quarta (6), 26 dias após a inauguração da mostra, quando vídeos mostrando obras de Adriana Varejão e de Bia Leite viralizaram na internet.

A primeira retrata situações sexuais em contexto histórico passado, e a segunda é uma pintura que apresenta duas crianças, sobre cujas imagens foram inseridas as frases "criança viada deusa das águas" e "criança viada travesti da lambada".

"Incita a pornografia e a pedofilia", diz visitante em um dos vídeos compartilhados pelo grupo ativista MBL (Movimento Brasil Livre).

Manifestantes também afirmaram que a exposição continha caráter zoófilo, devido à obra "Cena de Interior 2" (2013) de Varejão, na qual é retratada, em um detalhe, a relação sexual de duas pessoas com um animal.

A artista afirma que a pintura é uma compilação de práticas existentes, algumas históricas e outras baseadas em narrativas literárias ou coletadas em viagens pelo país.

"O trabalho não visa julgar." Ela afirma que seu objetivo é "jogar luz sobre coisas que muitas vezes existem escondidas. É um aspecto do trabalho, a reflexão adulta".

O que incomodou o MBL, segundo Kim Kataguiri, foi o fato de a exposição "ser direcionada para alunos de escolas públicas e privadas", o que a curadoria da exposição nega. O ativista diz que o MBL não protestaria se a mostra fosse voltada para adultos.

Segundo Kataguiri, ele se informou sobre o perfil alvo da mostra no projeto que o Santander inscreveu na Lei Rouanet. Não há, no formulário, indicação de que a mostra seja dirigida a crianças.

O que há é um campo específico intitulado "democratização", que fala sobre o projeto educativo da mostra.

No texto, está escrito que o programa pretende "aproximar o público escolar das diversas linguagens da arte".

Se o conteúdo específico indicado pelos grupos que se incomodaram com a obra de Varejão fosse veiculado em obra audiovisual, seria necessário, pela legislação, submeter o produto a uma classificação indicativa no Ministério da Justiça.

Em caso de exposições, o procedimento correto é fazer uma autoclassificação.

INCENTIVO FISCAL

Em comunicado divulgado na segunda (11), o banco Santander pediu "sinceras desculpas a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição 'Queermuseu'".

A assessoria do banco informou que vai abrir mão do benefício fiscal – a mostra foi realizada com R$ 800 mil captados via Lei Rouanet.

Com três obras expostas, o designer gráfico Sandro Ka afirma que o fechamento "foi uma surpresa desagradável".

Ka diz que o Santander bancou uma ideia muito importante, "que é falar de diversidade, dar visibilidade a questões importantes do cotidiano", por isso acredita que o banco deveria rever sua posição.

Celio Godin, fundador e presidente do Nuances, grupo que luta pela livre expressão sexual, diz que ataques à população LGBT são uma espécie de bode expiatório para que grupos de extrema direita e conservadores possam veicular suas ideias.

Entre esses incômodos, segundo ele, está o fato de o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), ter se manifestado em rede social a favor da retirada da mostra. Depois, ele apagou a postagem.


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