Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Mostra no Sesc 24 de Maio reflete as contradições de São Paulo

Eduardo Anizelli/Folhapress
Retrato de Mirthes Bernardes, que criou padrão para calçadas de São Paulo, está na mostra
Retrato de Mirthes Bernardes, que criou padrão para calçadas de São Paulo, está na mostra

SÃO PAULO NÃO É UMA CIDADE – INVENÇÕES DO CENTRO (ótimo)
QUANDO de terça a domingo, das 9h às 21h (até 28/1/2018)
ONDE Sesc 24 de Maio (R. 24 de Maio, 109, República, tel. 11-3350-6300)
QUANTO grátis

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A complexidade de São Paulo ganha uma visão ampla e crítica no recém-inaugurado Sesc 24 de Maio, em "São Paulo Não É uma Cidade – Invenções do Centro", com curadoria de Paulo Herkenhoff e Leno Veras.

Não poderia haver escolha curatorial mais adequada frente à arquitetura de caráter público que Paulo Mendes da Rocha criou no centro da cidade, com seus amplos espaços abertos aos visitantes –a exemplo das praças e das rampas que se tornam continuidade das ruas da metrópole.

Não se trata de uma exposição de arte convencional, mas de uma ampla pesquisa sobre diversos aspectos culturais da cidade, na qual a arte se torna um de seus eixos.

Quem conhece a programação do Museu de Arte do Rio, criado por Herkenhoff, viu algo semelhante no museu da capital carioca. Em São Paulo, esse enfoque surge inovador.

Isso se observa na mostra do Sesc quando a curadoria põe o dedo em feridas de forma contundente: apresenta desde cachimbos de crack distribuídos na cracolândia por Raphael Escobar, dentro de uma ação visando a redução de danos por parte dos usuários, a dois atestados de óbito de Vladimir Herzog (1937-1975).

Em um deles, a indicação é suicídio; no outro, corrigido recentemente, fica claro que sua morte ocorreu devido a torturas impostas ao jornalista pela ditadura.

Junto aos atestados, a nota de um cruzeiro carimbada por Cildo Meireles com a inscrição "Quem matou Herzog?" e fotos do culto ecumênico na Catedral da Sé criam um dos conjuntos mais fortes da exposição.

A imigração, outro tema da cidade, surge tanto nas obras do reconhecido artista modernista Lasar Segall, lituano radicado na cidade –com a escultura "Emigrantes 1", de 1934, ainda atual diante dos atuais fluxos–, como nas peças de cerâmica do japonês Shoko Suzuki.

Com isso, Herkenhoff contextualiza o centro de São Paulo sem hierarquias rígidas, onde a chamada alta cultura convive com todas as demais manifestações, como no retrato de Mirthes Bernardes, que criou os desenhos padronizados das calçadas paulistanas.

Há nesse enfoque uma correta aproximação com a própria essência do Sesc, já que em suas unidades esporte, lazer, teatro, dança ou artes visuais, para citar algumas áreas, convivem em harmonia.

NÃO ELOGIOSO

Melhor ainda que a mostra não faça um elogio desmedido aos paulistas, risco de uma exposição que inaugura um local tão simbólico.

Herkenhoff chega a citar, por exemplo, Mário de Andrade para lembrar o pouco engajamento dos paulistas na luta pela abolição da escravatura, raiz afinal do preconceito permanente vigente na cidade, que se espelha na instalação "Odiolândia", de Giselle Beiguelman.

Composta de comentários reais publicados nas redes sociais contra nordestinos, gays ou muçulmanos, a obra espelha o clima de verdadeira guerra social na cidade.

Contudo, a exposição aponta ações que agem em sentido contrário, como o Museu Afro Brasil, criado por Emanoel Araújo e apontado merecidamente como "monumental obra ética".

"São Paulo Não É uma Cidade" reflete as contradições de São Paulo em um ambiente tão complexo como a própria cidade.


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