Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Plural, Das Neves foi de excelente baterista a reconhecido músico

Até 1996, Wilson das Neves era "só" um dos mais importantes bateristas da história da música brasileira. Foi lançado, então, o CD "O Som Sagrado de Wilson das Neves", e o público descobriu algo que só os mais próximos sabiam: ele era bom cantor e excelente compositor.

A primeira faixa se tornou um clássico imediato: "O Samba É Meu Dom". A letra de Paulo César Pinheiro fica ainda mais forte agora: "E é no samba que eu quero morrer/ De baquetas na mão/ Pois quem é de samba/ Meu nome não esquece mais, não".

Todos o chamavam "Das Neves", o que cabia bem em seu jeitão plural. Nas duas últimas décadas de vida, também foi ator, modelo de elegância masculina, decano da jovem Orquestra Imperial e companheiro de gravações de Emicida, BNegão e outros talentos do rap e do pop - não por acaso, reuniu convidados em 2014 no show "Wilson dos Novos".

Daryan Dornelles/Divulgação
Wilson das Neves comemora seus 80 anos com série de shows em São Paulo
O sambista Wilson das Neves morreu na noite deste sábado no Rio

Luciano Perrone (1908-2001) foi quem conquistou para os bateristas, nas décadas de 1930 e 1940, o status de músicos nas orquestras. Antes, como dizia Das Neves, o homem das baquetas era chamado "batedor de boi morto".

A partir dos anos 1950, Das Neves se tornou o mais consistente e influente dos discípulos de Perrone. Além do talento inato ("Não fui eu quem quis tocar. A música é que se engraçou comigo."), dois fatores contribuíram para isso: o desprezo pelo estrelismo e a ausência de preconceitos.

O jazz e o rock consagraram a ideia de que bom baterista é o que faz solos longos e acrobáticos. Quando lhe pediam algo parecido, Das Neves cortava: "Não vim aqui para isso".

Seu estilo nada tinha a ver com o virtuosismo de outros grandes nomes do instrumento, como Edison Machado.

Aprendeu nas orquestras de bailes (de maestros como Astor Silva, Ed Lincoln, Cipó) que o papel principal da bateria é dar o pulso do conjunto. Fazer isso bem não é pouco. E ele fazia bem como poucos.

Orgulhava-se de contar que Ataulfo Alves só gostava de gravar com ele, pois se irritava com os que faziam viradas na bateria. "Axim, voxê me atrapalha", dizia para esses o grande compositor, com sua prosódia peculiar, segundo relato de Das Neves.

Desse jeito, foi conquistando o respeito e a admiração de todos com quem tocava: Elizeth Cardoso, Elza Soares, Elis Regina, Wilson Simonal, João Donato, Ney Matogrosso, Sarah Vaughan, Michel Legrand etc. etc. etc.

E aí entra a falta de preconceito. Não só por necessidade, mas também por prazer, participava de diversas formações, com múltiplas sonoridades, ao lado de artistas dos mais variados.

Integrou o conjunto Os Ipanemas, cultuado por DJs europeus. Lançou discos para dançar, com títulos como "O Som Quente É o Das Neves". Gravou com músicos de jazz, de rock, de samba. E se transformou num baterista ainda mais conhecido ao acompanhar Chico Buarque nos últimos 30 anos.

Por coincidência, morreu na semana em que "o chefia" lançou novo CD. Se Chico fizer show, Das Neves não estará lá com sua elegância e com seu bordão: "ô, sorte!".


Endereço da página:

Links no texto: