Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Cheio de poesia, longa cubano é raridade na produção atual

Divulgação
Cena do filme 'Últimos Dias em Havana', de Fernando Perez
Cena do filme 'Últimos Dias em Havana', de Fernando Pérez

ÚLTIMOS DIAS EM HAVANA (muito bom)
(Últimos Días en La Habana)
DIREÇÃO Fernando Pérez
PRODUÇÃO Cuba/Espanha, 2016, 14 anos
ELENCO Patricio Wood, Jorge Martínez, Yailene Sierra
Veja salas e horários de exibição

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Exceto por uma ou outra menção discreta à pós-modernidade, como o Facebook, não há (ou não parece haver) muito de contemporâneo em "Últimos Dias em Havana". Isso porque o diretor cubano Fernando Pérez retrata um país que, para o bem e para o mal (ambos contemplados no filme), parou no tempo.

Mesmo a doença de que padece um dos protagonistas, a Aids, parece nos remeter aos anos 1980, uma vez que os tratamentos melhoraram bastante e se tornou um tanto raro ver pessoas definhando por causa do vírus.

Esse descompasso temporal é fundamental para a criação de um sentimento melancólico decadentista que contamina a relação entre o adoentado Diego (Jorge Martínez) e seu grande amigo e cuidador, Miguel (Patricio Wood).

O primeiro luta contra esse sentimento e se apega à fagulha de vida que lhe resta. Alegre, piadista, tem o dom de unir pessoas distintas e fazer com que o ambiente em que está seja propício à felicidade.

O segundo, Miguel, parece ter desistido da vida em Cuba e só tem os EUA em seu horizonte. Passa horas diante de um mapa, sonhando com cidades onde pretende morar.

É uma amizade improvável, e talvez por isso tenha tanta força. Um complementa o outro. Miguel tem a gravidade de alguém que entende a finitude, e com isso aceita de bom grado a missão de cuidar de Diego.

Diego, por outro lado, reconhece em Miguel essa estranha compaixão, e de certo modo entende que é justamente ele que o amigo precisa ter por perto: alguém com vontade de viver.

Alguns personagens secundários ajudam a engrandecer o filme. A começar por Yusisleydis (Gabriela Ramos), sobrinha de Diego, grávida aos 15 anos. Ela não se entende com a mãe e por isso encontra no quarto de Diego um possível lar.

Outra é Fefa (Carmen Solar), vizinha enigmática, meio mística, que ilumina a tela sempre que aparece. Não podemos esquecer de P4 (Cristian Jesús Pérez), o garoto de programa que se torna grande amigo de Diego.

HOMENAGEM

"Últimos Dias em Havana" tem uma boa dose de ingenuidade na maneira como o mágico invade a narrativa. O filme homenageia "Morango e Chocolate" (1993), o retorno do maior diretor cubano, Tomás Gutiérrez Alea, ao cinema. De alguma maneira, a magia de Alea contamina a representação.

Mas é raro encontrar boa dramaturgia com tamanha poesia no cinema contemporâneo.

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