Folha de S. Paulo


Inspirado no Bozo 'movido a cocaína', 'Bingo' retrata excessos dos anos 1980

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Cena de 'Bingo - O Rei das Manhãs
Cena de 'Bingo - O Rei das Manhãs'

Deu no "Notícias Populares"."Bozo era movido a cocaína na TV", anunciava manchete de novembro de 1998 do extinto jornal, que emendava: "Curado e pregando a palavra de Jesus, hoje ele revela o lado trágico do palhaço".

O filme "Bingo - O Rei das Manhãs", que estreia nesta quinta (24), ficcionaliza o tal lado trágico vivido por Arlindo Barreto, um dos intérpretes do apresentador nos anos 1980. Na trama, inspirada em sua carreira, ele vira Augusto, e Bozo vira Bingo. A cocaína, é claro, reluz no longa.

"Mas a droga não é o assunto do filme", ressalva o diretor, Daniel Rezende. "Ela é só a consequência de um projeto de vida que não se realiza de determinada maneira."

Por projeto de vida, o cineasta se refere ao conflito central da trama. Atrás da maquiagem de palhaço escondia-se um sujeito que buscava a luz do palco a qualquer custo, mas que, por contrato, não poderia revelar sua identidade.

Outro dilema: o apresentador que arrebatava as crianças brasileiras faltava com a principal delas, o seu filho.

Intérprete de Bingo/Augusto, o ator Vladimir Brichta se diz interessado no "palhaço que dilata a tristeza com a mesma força com que expande a máscara da alegria". Cita "clowns trágicos", como Robin Williams, que se enforcou em 2014,e Jim Carrey, que lutou contra a depressão.

Brichta teve seu batismo na lona. Escalado para o papel, buscou a bênção de Fernando Sampaio e Domingos Montagner (1962-2016), da trupe La Mínima. Vestido de palhaço e anônimo ao público, fez um número no picadeiro erguido em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo.

Ecoou a trajetória do seu personagem, um ex-ator de pornochanchada que também se vê obrigado a encontrar o clown interior. No caso dele, um de tipo endiabrado, que conquista o zeloso executivo americano dono da marca Bingo (Soren Hellerup) e galga audiência à custa do politicamente incorreto.

"Quis retratar aquela década de excessos que foram os anos 1980 e explicar por que certas coisas aconteciam só naquela época", diz o diretor paulistano, indicado ao Oscar pela edição de "Cidade de Deus" e estreante na direção.

Entre os excessos reproduzidos no longa, estão dançarinas seminuas em atrações infantis e palavrões em transmissões ao vivo. Nada absurdo. A contracapa de um disco do Bozo trazia a Vovó Mafalda com isqueiro na meia.

"É legal trazer a pimentinha, mostrar que nós nem sempre fomos assim como somos hoje", provoca Rezende, que tomou por base uma longa entrevista dada por Arlindo à produção. Aos 64, o hoje pastor evangélico nega que tenha entrado drogado no ar.

O filme toma liberdades nas citações, mas elas não passam despercebidas aos familiarizados ao tema: Xuxa vira Lulu, a Globo vira TV Mundial, o SBT, que exibia o programa do Bozo, vira TVP.

Só Gretchen, com quem Arlindo de fato teve um caso, é Gretchen mesmo, vivida no filme por Emanuelle Araújo. "É a cereja do bolo", afirma o diretor. "Sou muito fã da música 'Conga, Conga, Conga'."

Veja salas e horários de exibição.

Fabiano Cerchiari/Folhapress
O palhaço Bozo durante um culto na igreja O Brasil para Cristo, em 2000
O palhaço Bozo durante um culto na igreja O Brasil para Cristo, em 2000

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