Folha de S. Paulo


Filme proletário 'Logan Lucky' traz Steven Soderbergh de volta ao cinema

Claudette Barius/AP
Há quatro anos afastado do cinema, o diretor Steven Soderbergh voltou às telas com 'Lucky Logan
Há quatro anos afastado do cinema, o diretor Steven Soderbergh voltou às telas com 'Lucky Logan'

Filmes sobre grandes roubos não existiriam sem a "grande presa", uma recompensa tão irresistível que nem o mais cínico dos vilões optaria por ficar na toca diante da oportunidade de obtê-la.

É esse tipo de tentação que propele muitos dos filmes de Steven Soderbergh e que o motiva como cineasta.

Seu filme mais recente, "Logan Lucky" [no Brasil, "Roubo em Família"], gira, de novo, em torno de um grupo de criminosos adoráveis –um operário de construção civil (Channing Tatum) que perdeu o emprego e recruta seu irmão (Adam Driver), sua irmã (Riley Keough) e um presidiário instável (Daniel Craig), para um grande roubo em uma pista de corrida da Nascar.

É uma versão mais caseira das elaboradas tramas de "Onze Homens e um Segredo" e suas continuações.

Também é o primeiro filme de Soderbergh na telona em quatro anos, após anúncios de que deixaria o cinema. Agora que parece ter voltado atrás, ele demonstra contrição mas também alegria.

Em momentos distintos ele dirigiu filmes de arte e grandes produções comerciais. Mas descobriu que o que deseja é fazer filmes que, independentemente do gênero, sejam vistos pelo maior número possível de pessoas.

Não é que ele tenha passado por um exílio criativo; continuou a trabalhar em projetos como a série "The Knick", um drama histórico hospitalar que terminou cancelado.

"Logan Lucky" não é uma grande produção para marcar sua volta da aposentadoria É só o tipo de história que gosta de contar, porque vê o processo cinematográfico como espécie de crime perfeito.

Nas palavras do diretor: "Você tem uma ideia louca. É provável que não funcione ou ao menos não como você imaginava. Você monta uma equipe, as coisas dão errado, e um dia a coisa chega ao fim e, com sorte, você sobrevive".

TERAPIA

Em seu escritório nova-iorquino, no final de julho, o franzino Soderbergh, 54, parecia um homem muito comum, em uma sala tampouco especial. Quando fala de seus filmes, à sua maneira discretamente intensa, a sensação é a de uma sessão de terapia na qual ele percebe coisas que havia ignorado durante o processo de filmagem.

"No estúdio, as pessoas usam a intuição para descobrir o que quero; elas me seguem, e param onde eu paro. Às vezes nem eu mesmo sei como uma coisa deve funcionar, até que me perguntem."

Ainda que ele possa ser autodepreciativo, Soderbergh, que ganhou um Oscar por "Traffic", complicada narrativa sobre o mundo do tráfico de drogas, fala muito sério ao dizer que jamais fará os filmes que fazia no passado.

"A verdade é que perdi o interesse em dirigir –não em produzir, ou assistir– qualquer coisa que pareça importante", ele disse. "Isso não me atrai, de jeito nenhum. É algo que deixei na selva."

Depois de uma carreira que avançou de sucessos independentes como "Sexo, Mentiras e Videotape" a grandes produções como "Erin Brockovich", passando por projetos esquisitos como "Full Frontal", Soderbergh diz que mudou para pior por causa de "Che", sua cinebiografia de Guevara, lançada em duas partes em 2008.

Garantir o financiamento do filme foi uma luta, e a filmagem foi pesada: foram dois meses e meio na rodagem e ele queria ter tido mais tempo. Foi sucesso de crítica, mas fracassou comercialmente, o que o levou a abandonar os filmes de prestígio.

Em seguida, Soderbergh dedicou alguns anos a filmes populares e de gênero, como "Contágio" e "Magic Mike". Depois, em meio a autoavaliações algo apocalípticas – "vejo minha carreira chegando ao fim", disse ao "Guardian" em 2009–, optou por dirigir teatro e projetos de TV.

Soderbergh conta que se deixou atrair de volta no final de 2014, quando recebeu o roteiro de "Logan Lucky", atribuído a Rebecca Blunt. Ainda que pretendesse trabalhar só como produtor do filme, a empatia do roteiro para com os personagens de classe trabalhadora da história o convenceu a dirigir o projeto.

"Os personagens nos surpreendem com sua visão de mundo. O truque é usar estereótipos para montar o quadro e, com sorte, surpreender as pessoas mais tarde", diz.

Em "Logan Lucky", Soderbergh teve controle completo sobre o processo criativo e contornou os grandes estúdios de Hollywood. Segundo o cineasta, um plano preparado pela Fingerprint Releasing, sua produtora, e pela distribuidora independente Bleecker Street colocará o filme em cartaz em pelo menos 2,5 mil salas de exibição.

No estúdio, diz Adam Driver, o trabalho de Soderbergh era rápido e decisivo. "Nada parece distrai-lo. Ele confia em seus instintos e sabe quando seguir adiante. Dá a impressão de um protesto contra a maneira como filmes costumam ser feitos."

Soderbergh não lamenta projetos que acredita terem perdido o ímpeto, como "The Knick", série muito elogiada pela crítica, em que Clive Owen é um cirurgião na Nova York do começo do século 20.

Ele havia dirigido 20 episódios das duas primeiras temporadas, e os roteiros da terceira, escritos por Jack Amiel e Michael Begler, criadores do projeto, estavam prontos. Mas o canal Cinemax cancelou a série em março.

Muitos fatores influenciaram a decisão, diz Soderbergh, entre os quais o custo total da série –"quando você chega à faixa de US$ 6 milhões por hora de produto final, não é barato" –, e a decisão do canal de se concentrar em programas de ação.

Riley Keough, que trabalhou em "Magic Mike" e estrelou a adaptação televisiva do filme "Confissões de Uma Garota de Programa", de Soderbergh, diz que o diretor "está sempre tentando fazer coisas um pouco arriscadas". "Posso imaginar que isso seja desgastante. Mas esse desgaste é algo que ele não me mostra."

Quase todos os outros diretores com quem filmou, conta, lhe perguntaram como era trabalhar com Soderbergh. "As pessoas me fazem mais perguntas sobre ele do que sobre o meu avô, juro". (Keough é neta de Elvis Presley.)

Soderbergh não se vê assim e diz que não espera que anunciar "Logan Lucky" como seu retorno à direção atraias espectadores. Citando cineastas como Christopher Nolan e Martin Scorsese, diz que "existem diretores cujos nomes significam alguma coisa para o grande público". "O meu não é um deles."

Soderbergh diz que seu único objetivo é contar histórias acessíveis. "É muito fácil fazer um filme que cinco pessoas entendam", diz. "Difícil é fazer algo que muita gente entenda e, mesmo assim, não seja óbvio, tenha sutileza e ambiguidade e dê alguma coisa ao espectador."


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