Folha de S. Paulo


Artista deve assumir responsabilidade por mudança social, diz Ai Weiwei

Reprodução/Instagram
O artista plástico chinês Ai Weiwei durante visita ao Brasil
O artista plástico chinês Weiwei durante visita ao Brasil

O artista e provocador chinês Ai Weiwei se diverte com o simbolismo de expor retratos de dissidentes e ativistas políticos em Washington em um momento de erosão dos direitos humanos e das liberdades.

Não é um gesto sutil, mas cai bem para ele. Afinal, o chinês é célebre por ter posado para uma série de fotografias nas quais aparece com o dedo médio erguido diante de monumentos nacionais, entre os quais a Casa Branca e a Praça Tienanmen, em Pequim.

"Fazer uma mostra de retratos de prisioneiros políticos aqui é muito significativo, especialmente hoje", disse, em entrevista no Hishhorn Museum and Sculpture Garden, onde sua exposição, "Ai Weiwei: Trace at Hirshhorn", ficará aberta até janeiro de 2018.

Os retratos feitos de 1,2 milhão de blocos de Lego enfatizam seu lado brincalhão. As peças são conhecidas de todo mundo, como o ar e a água, ele diz; e a liberdade deveria ser igualmente onipresente.

"Os valores mais significativos muitas vezes se relacionam às ferramentas mais simples", disse o artista, 59. Ele muitas vezes usa objetos cotidianos –de mochilas infantis a banquinhos de madeira e sementes de girassol– para criar esculturas e instalações.

Defender a liberdade é imperativo, em meio à ascensão de líderes nacionalistas em todo o mundo, afirmou. Para o artista, o presidente americano, Donald Trump, é parte da tendência em favor da divisão.

"Não se trata de Trump como pessoa, mas dele como representante da ideia de que o poder é superior ao processo democrático e de que se deve buscar o poder ignorando a liberdade", disse Weiwei. "Quero que as pessoas, progressistas e conservadoras, pensem sobre suas posições."

Blocos de Lego foram usados para criar imagens pontilhistas de 157 homens e 19 mulheres, entre eles Nelson Mandela e Martin Luther King Jr.

Retratos de cores brilhantes são exibidos no pavimento térreo, decorado com um mural em branco e preto que traz imagens do passarinho do Twitter, câmeras de vigilância e outros ícones ligadas a questões de liberdade de expressão.

Weiwei trata dos direitos humanos e da opressão há décadas. Depois do terremoto na província chinesa de Sichuan, em 2008, ele usou a internet e colaboradores para identificar e celebrar cerca de 5.000 estudantes que morreram. (O governo se recusava a divulgar os nomes dos mortos.)

O esforço atraiu a atenção de autoridades chinesas, que vetaram seu acesso à rede.

Ele passou 81 dias preso em 2011 e, ao ser libertado, passou a viver em prisão domiciliar. Foi impedido de viajar ao exterior até 2015, quando seu passaporte lhe foi restituído.

A internet permitiu que compartilhasse seu trabalho. Sua forte presença nas redes sociais é central para sua popularidade e seu ativismo.

Hoje ele vive em Berlim e exporta seus trabalhos. No Festival de Veneza, exporá o documentário "Human Flow", sobre refugiados. Em outubro, abrirá em Nova York exposição com cercas de segurança.

"É dever do artista se conectar à mudança social, e assumir a responsabilidade", disse. "A história dessas pessoas precisa ser ouvida. Se não nos incomodarmos com essas condições humanas, somos realmente corruptos."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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