Folha de S. Paulo


Mesa da Flip chama a atenção para necessidade de cânone extraoficial

Bruno Santos/Folhapress
PARATY,RJ, BRASIL, 27-07-2017: Mesa Arqueologia de um autor, no segundo dia da 15ª FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). Na foto, Edimilson de Almeida Pereira. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-ILUSTRADA *** EXCLUSIVO FOLHA***
O poeta Edimilson de Almeida Pereira na mesa Arqueologia de um Autor, na Flip

A mesa Arqueologia de um Autor, que abriu às 12h desta quinta (27) a programação oficial na 15ª Flip, valorizou a necessidade de um cânone que inclua os descendentes de negros e indígenas.

Apesar de boa parte das participações dos estudiosos Beatriz Resende e Felipe Botelho Corrêa ter sido dedicada a como iniciaram suas pesquisas sobre Lima Barreto, o que mais despertou interesse do público foi a fala de Edimilson de Almeida Pereira.

Muito aplaudido, o poeta e professor de letras da Universidade Federal de Juiz de Fora propôs pensar a literatura de Lima Barreto num "país conflagrado" em que hoje, como à época do escritor, as perspectivas dos negros eram "curtas, estreitas".

Embora, como frisou Beatriz Resende, Lima Barreto tenha sido "reconhecido por seus pares" em vida, coisa que atesta sua correspondência, sua produção ficou de fora do establishment literário da época.

Isso em parte se deveu ao fato de que o escritor perseguiu definir e cunhar uma "literatura militante", aspecto abordado por Felipe Botelho Corrêa em uma de suas intervenções.

Um dos pontos dessa literatura militante era a clareza, que o escritor buscava na oralidade.

Essa, disse Botelho Corrêa, foi umas marcas mais presentes do que Lima buscou fazer em seu esforço por atingir uma população "que aprendia a ler ou tinha aprendido recentemente".

Em outro momento que provocou a reação de apoio do público, Beatriz Resende frisou a ausência nesta Flip de vários de seus colegas pesquisadores da UERJ, que não puderam participar do evento "porque estão há quatro meses sem receber".

CONTRA-CÂNONE

A mesa se encerrou com outra participação de Edimilson de Almeida Pereira, respondendo a uma questão do público que pedia que ele falasse mais sobre o cânone afrodescendente.

"Por ser fruto de relações sociais, todo cânone é obviamente construído. Nesse processo de construção se dá uma lógica de seleção e exclusão". Ao favorecer os autores letrados, disse o professor, tal processo excluiu a literatura oral, a indígena, resultando num "cânone oficial" e num "cânone negativado, que é, de certa maneira, a literatura brasileira em sua amplitude mais profunda".

A linguagem de Lima Barreto nas crônicas "quando lidas em voz alta numa barbearia" -disse Pereira, voltando a um dos exemplos da fala de Botelho Corrêa- era uma "linguagem devolvida da literatura oral para um público que talvez nem se desse conta dos assuntos que estavam sendo comentados".

"É preciso criar um contra-cânone", pela "desmontagem desse cânone estabelecido" e pela "proposição de elementos, modelos, valores" deste universo social silenciado.

Ao final da mesa, a curadora do evento, Joselia Aguiar, comunicou que, diante das muitas perguntas encaminhadas pelo público a respeito da questão do cânone, a organização tentaria abrir uma participação extra do professor mineiro, em programação paralela.


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