Folha de S. Paulo


Aula de Lázaro Ramos e Lilia Schwarcz sobre Lima Barreto emociona na Flip

Aplausos, gargalhadas e urros marcaram a aposta acertada da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de mudar o formato de sua abertura.

No lugar da tradicional conferência de abertura, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz e o ator Lázaro Ramos, nesta quarta-feira (26), deram uma aula dramatizada sobre Lima Barreto, autor homenageado desta 15ª edição.

O ápice da performance, criada sob a batuta do diretor teatral Felipe Hirsch, foi quando a dupla abandonou o palco montado no altar da Igreja da Matriz, diante do público pagante, e tomou a tenda do telão, lotada e de acesso gratuito.

Os dois foram recebidos com gritos de "Fora, Temer".

"Lima Barreto, se aqui estivesse, também estaria gritando 'Fora, Temer'", disse Lázaro ao subir ao palco onde depois se apresentaria o pianista André Mehmari.

Foi também do lado de fora da igreja que ecoaram as manifestações mais calorosas diante dos trechos da obra de Lima Barreto interpretados pelo ator. Eles eram entremeados pela fala precisa da historiadora sobre a trajetória de vida do homenageado –desde seu nascimento, sete anos antes da Abolição, até o resgate de sua obra postumamente por Francisco de Assis Barbosa.

Ao ler o trecho de "A Política Republicana", em que Lima escreveu que "a República no Brasil é o regime da corrupção", Lázaro foi ovacionado pelo público da tenda. O texto, que prossegue tratando de "verbas secretas" para que "não haja divergências" e de "empreguinhos que os medíocres não sabem conquistar por si" também foi aplaudido dentro da igreja.

Outra leitura que comoveu não só o público mas também o ator foi o relato de Lima sobre sua amizade com Manuel Cabinda, ex-escravo que conheceu na colônia de alienados onde trabalhava o pai do escritor, no Rio de Janeiro.

Manuel comprou a própria liberdade, depois a da mulher por quem era apaixonado –para em seguida vê-la fugir com outro e, como Lima descreve, ficar "meio pateta". O ex-escravo não só virou amigo dos Lima Barreto como viveu com eles e até os ajudou financeiramente.

Lázaro soube registrar a verve irônica de Lima Barreto e fez rir ao ler textos engraçados do homenageado, como "A Nova Califórnia", conto em que uma cidade passa a violar os cemitérios depois que um alquimista mostra saber fazer ouro a partir dos ossos humanos.

Ou ainda "O Homem que Sabia Javanês", sobre um picareta que vira doutor fingindo falar um idioma que jamais aprendeu.

"Quem sabe estejamos presenciando agora, nessa nossa geração animada pelos direitos civis, uma nova retomada de Lima Barreto", disse Lilia, louvando a possibilidade de um país "menos exclusivista, menos racista, com menos feminicídio e com espaço para uma literatura militante como era a dele".

CONCERTO

Após a abertura, a editora britânica Liz Calder, idealizadora da Flip, subiu ao palco do Auditório da Praça, onde fica o telão.

Ela deu as boas-vindas ao público, dizendo acreditar que esta será "a melhor edição" da história do evento. Em seguida, apresentou o pianista André Mehmari.

O músico iniciou o concerto com um "pot-pourri" de peças de Ernesto Nazareth, que comparou a Lima Barreto pela origem mestiça e pela loucura, antes de tocar sua "Suíte Policarpo", encomendada para a ocasião.

Composta de quatro movimentos, a peça se inspira na obra mais celebrada de Lima Barreto, "Triste Fim de Policarpo Quaresma" (1915) e foi longamente aplaudida de pé pela plateia.

Antes de cada movimento, o pianista leu trechos do romance e comentou a trajetória de Nazareth, de quem tocou ainda outras peças, numa espécie de aula-espetáculo.

Ao final, agradecendo ao público pelo carinho e o silêncio, anunciou que havia feito uma tiragem caseira de cem exemplares da obra, causando uma fila na Livraria da Travessa, do outro lado da praça.


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