Folha de S. Paulo


Com 'fora, Temer', Chico e Ney, prêmio de música supera falta de verba

Uma noite de premiação e homenagens que escala como convidados os magnéticos Chico Buarque e Ivete Sangalo, mais jovens elétricos como Karol Conká e o BaianaSystem, arrisca escantear seu homenageado. Isso se este não fosse o igualmente elétrico e magnético Ney Matogrosso, estrela da cerimônia do 28º Prêmio da Música Brasileira.

A celebração, realizada no Teatro Municipal do Rio, teve pela primeira vez ingressos vendidos para o público, em consequência da inédita falta de patrocínio. Os efeitos foram sentidos: um grito de "fora, Temer" ecoou na sala quando Chico, o convidado mais aguardado da noite, se preparava para cantar a sua "As Vitrines". Com um movimento dos olhos, o cantor mostrou sua concordância com o protesto.

A essa altura, Ney já havia aberto a festa interpretando "Melodia Sentimental" (Villa-Lobos e Dora Vasconcellos). Antes dele, o idealizador do prêmio, José Maurício Machline, lembrou das dificuldades para montar essa edição sem patrocinador.

"Não acredito que chegamos aqui hoje. Passei meses numa peregrinação louca para fazer o prêmio da maneira como acredito, em respeito a quem faz a música nesse país. Parece que tudo à nossa volta quer que a gente desista", disse Machline. "O que nos encorajou foi o apoio da classe artística e de algumas empresas. Descobrimos que ainda existe solidariedade."

Apresentada pela atriz Maitê Proença e pela cantora Zélia Duncan (também responsável pelo roteiro), a cerimônia foi até mais dinâmica do que de hábito —havia 79 indicados em 35 categorias, mas o ritmo não ficou arrastado como em anos anteriores.

A escassez de dinheiro não teve maior impacto no cenário (aproveitado do próprio Municipal), e os erros e falhas técnicas não foram mais numerosos do que de costume. O improviso só ficou mesmo evidente na hora de anunciar os indicados de cada categoria, o que foi feito com gravações toscas de artistas, que citavam os concorrentes.

Entre os premiados, o maior vencedor foi maestro Letieres Leite, que levou o troféu de arranjador e, na categoria instrumental, os de álbum e grupo. Lenine, Tom Zé e BaianaSystem ganharam dois troféus cada um.

Se a premiação em si é valorizada pelos participantes, para o público interessam mais as apresentações musicais, sempre dedicadas ao homenageado. Nesta edição, os convidados alternaram altos e baixos cantando músicas do repertório de Ney.

Saíram-se melhor os que levaram as canções para suas praias e improvisaram, como Karol Conká, numa versão rap dance da animada "Homem com H", e o BaianaSystem, que deu gás à difícil "Inclassificáveis", justificando seu troféu de revelação de 2016.

Zeca Pagodinho, Chico e Ney

Lenine (premiado como melhor cantor e álbum de MPB) fez uma boa versão abolerada de "Bicho de Sete Cabeças", enquanto Ivete Sangalo (eleita melhor cantora na categoria canção popular) apresentou uma versão contida de "Sangue Latino", aquém de suas possibilidades e da original.

Houve quem chamasse mais atenção pela performance do que pela interpretação –casos de Alice Caymmi (que venceu por melhor DVD) e Laila Garin, que se beijaram na boca ao fim de "Bomba H", e de Pedro Luis, que tirou a gravata e a usou como venda enquanto cantava "O Mundo".

Ney encerrou a festa com um pequeno show que teve "Bamboleô" e os hits "Rosa de Hiroshima", "Balada do Louco" e "Pro Dia Nascer Feliz". Aplaudido de pé por colegas e público, venceu a timidez para agradecer.

"Eu tenho um pouco de dificuldade para receber [homenagens], mas agora liberei, estou recebendo. Obrigado a todos", disse o cantor.

Confira a lista com todos os vencedores.


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