Folha de S. Paulo


Negras como Lupita, Whoopi e RuPaul encenam 'Alice' no calendário Pirelli

Em um box transformado em minicasa, o cenário é de destruição. Cinzas, uma cadeira de madeira queimada, louças quebradas. Do lado de fora, um coelho gigante, preto, segura um relógio de bolso. O clima sombrio está em tudo à volta, em animais empalhados e na areia negra no chão.

Sob a luz de flashes do estúdio está a top Naomi Campbell, 47, sentada em um banquinho, com taça na mão. Ela conta ter sido fotografada naquele dia, de novo, para o calendário Pirelli. "Posei nos meus 20, 30 e agora 40 anos", diz. Para ela, a folhinha de 2018, clicada por Tim Walker, entrará para a história.

"Este calendário fala sobre algo que buscamos, equilíbrio na diversidade", afirma, antes de se virar para o fotógrafo inglês e chamá-lo de herói.

Vamos ao "heroísmo" de Walker, conhecido por imagens em cenários fantasiosos (espécie de Wes Anderson da fotografia de moda). Ele reconta a história de "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Caroll, com os personagens interpretados por negros.

O calendário é historicamente estrelado majoritariamente por modelos brancos, como na edição de 2017, feita por Peter Lindbergh, que pregou a naturalidade da beleza.

Desde os anos 1960, quando o calendário foi criado, a única edição só com negros foi a de 1987, com o fotógrafo britânico Terence Donovan.

Neste ano, foram chamados para o ensaio celebridades como RuPaul (Rainha de Copas), P. Diddy (carrasco real, assim como Naomi), Whoopi Goldberg (Duquesa) e Lupita Nyong'o (Dormundongo).

A modelo sudanesa-australiana Duckie Thot vive Alice. O estilo é assinado por Edward Enninful, primeiro diretor homem e negro da "Vogue" britânica, com direção de arte e cenografia de Shona Heath.

A atriz mexicana Lupita Nyong'o, filha de quenianos, diz aos jornalistas presentes no estúdio que a proposta de Walker é impactante, inspiradora, provocativa. "É interessante que olhem para uma história tão conhecida e a vejam com outros olhos."

ALICE LOIRA

O fotógrafo Tim Walker conta que escolheu "Alice no País das Maravilhas" por ser uma história que fala da imaginação, uma "linguagem universal". Segundo ele, o ensaio não foi concebido por motivação política ou para questionar a falta de diversidade na moda.

"A história de Alice tem sido contada ao longo do tempo de uma maneira. Não acredito que nunca houve representação dela sem ser loira. Fiquei interessado em contar a história de uma maneira nunca contada", diz à Folha.

"Para mim, é interessante dizer que qualquer pessoa, de qualquer lugar, pode ser qualquer coisa. Essa é minha motivação. De alguma maneira, claro, acaba sendo um reflexo do zeitgeist, mas não foi intencional [debater diversidade na moda]", completa.

Sobre seu conceito de sexualidade nas fotos –o calendário Pirelli é conhecido pelas mulheres seminuas–, o fotógrafo diz que quis quebrar um certo padrão. "Acho que é um retrato limitado da mulher. Esse retrato é importante, mas estava interessado em outras coisas."

Segundo Walker, o elenco foi consultado sobre quem gostaria ou não de deixar mais partes do corpo expostas. "Nunca forcei a sexualidade numa foto. Ela surge da vontade de alguém revelá-la. Desta vez, algumas pessoas quiseram realmente mostrá-la."

A entrevista é interrompida por uma assessora de imprensa –os poucos minutos disponíveis haviam terminado.

Walker decide acrescentar a mensagem que gostaria de transmitir com o calendário, a ser lançado em novembro. "Muitas verdades podem ser contadas pelo humor, pela luz. A realidade pode ser tão difícil, o escapismo é vital."

A jornalista viajou a convite da Pirelli


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