Folha de S. Paulo


Festival de arte eletrônica troca videogames por obras esculturais

Uma nuvem cor-de-rosa parece respirar suspensa no canto de uma sala. Ela pulsa ao som do ar entrando e saindo dos pulmões, seu brilho oscilando em intensidade.

"É como se o tempo aqui não existisse", diz a holandesa Dorette Sturm, sobre sua instalação. "A luz vai e volta, como se fosse uma criatura viva. Dá a consciência do que é a nossa respiração."

Outras obras agora no File, festival de arte eletrônica no Centro Cultural Fiesp, também têm essa mesma pegada etérea e um tanto distante, rompendo com a habitual estratégia interativa de peças das chamadas novas mídias.

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Breathing Cloud', obra da holandesa Dorette Sturm, agora no File
'Breathing Cloud', obra da holandesa Dorette Sturm, agora no File

Mais introspectiva, essa seleção marca um momento em que a arte criada com processadores de dados, sensores inteligentes, luzes e hologramas parece se preocupar mais com aspectos formais. Ou seja, obras que tentam ser menos videogame e mais escultura, mesmo sem deixar de ser um espetáculo sonoro e visual.

Das mais espetaculares obras na mostra, as cornetas gigantes que cospem bolhas de sabão ao som de batidas gravíssimas, instalação do alemão Thom Kubli, também se prestam mais à contemplação do que à manipulação.

E isso não é um defeito. "Antes arte digital eram só nerds brincando com aparelhos eletrônicos", diz Kubli. "Passamos os últimos anos tentando imaginar aonde ir com essas tecnologias e agora vejo surgirem obras mais sensoriais. Os aspectos psicológicos dessas esculturas se tornam mais interessantes."

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Overview', obra do belga Lawrence Malstaf, agora no File
'Overview', obra do belga Lawrence Malstaf, agora no File

Suas bolhas de sabão, que se esticam de acordo com a duração do som das trombetas, flutuam pela galeria até estourarem, formando poças no piso. Se não despertam nenhuma epifania ou catarse coletiva, pelo menos operam como um fenômeno plástico a questionar a rigidez da arquitetura ao redor.

"Essa é uma máquina que inventei com a ideia de reconfigurar o espaço, olhar para ele como um volume escultural", diz Kubli. "Bolhas são o símbolo da fragilidade e sempre são diferentes umas das outras. Quero levar as obras ao ponto mais imprevisível."

No fundo, essa atração pela imprevisibilidade também tem a ver com o fato de a geração de artistas que desponta agora nesse circuito já ter nascido e crescido na era da internet. Ninguém se surpreende mais com telas que reagem ao toque ou efeitos luminosos e sonoros acionados só pela presença do corpo.

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Black Hole Horizon', obra do alemão Thom Kubli, agora no File
'Black Hole Horizon', obra do alemão Thom Kubli, agora no File

O corpo, aliás, continua presente, mas também acaba se tornando parte da obra. Na instalação do holandês Teun Vonk, dois balões enormes e iluminados por dentro se inflam juntos numa estrutura metálica, envolvendo o espectador num afago eletrônico.

"Você é levantado entre essas duas bolhas e se torna também uma escultura para quem está olhando de fora", diz Vonk. "Parece bobo, mas essa pressão provoca algo nas pessoas. Sempre me interessei pela forma como os nossos corpos se movimentam."

Na contramão do movimento, o belga Lawrence Malstaf espera que o público fique imóvel, deitado no chão, para ver girar sua instalação, uma tela que mostra de um lado luzes azuladas e do outro uma imagem da Terra da forma como é vista por astronautas em órbita no espaço.

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The Physical Mind', obra do holandês Teun Vonk, agora no File
'The Physical Mind', obra do holandês Teun Vonk, agora no File

"Quero que o espectador se sinta uma parte essencial desse ambiente", diz o artista. "Quando a tela se movimenta, o planeta também parece esticado e distorcido. Todos nós somos parte de algo em transformação contínua."

Outra escultura, do alemão Andreas Lutz, também remete à ideia de pertencimento. Sua tela em branco tem motores por trás que fazem formas saltarem da superfície, soletrando palavras e frases num alfabeto imaginário. As mesmas formas, no entanto, ganham leituras distintas com mudanças repentinas nos jogos de luzes sobre o quadro.

"É o que acontece quando máquinas começam a conversar umas com as outras e não entendemos", compara Lutz. "Minha ideia era construir uma escultura autônoma, que tivesse cérebro e consciência."

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QUANDO todos os dias, das 10h às 20h; até 3/9
ONDE Centro Cultural Fiesp, av. Paulista, 1.313, file.org.br
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