Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Às vezes belo demais, 'Cartas da Guerra' força algum efeito poético

Divulgação
O ator Miguel Nunes interpreta António no filme 'Cartas da Guerra
O ator Miguel Nunes interpreta o escritor António Lobo Antunes no filme 'Cartas da Guerra'

CARTAS DA GUERRA (bom)
DIREÇÃO Ivo M. Ferreira
ELENCO Miguel Nunes, Ricardo Pereira, Margarida Vila-Nova
PRODUÇÃO Portugal, 2016, 14 anos
Veja salas e horários de exibição.

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Adaptar uma obra literária para o cinema não é fácil. Fala-se em adaptação, aliás, porque é muito arriscada a transposição simples do texto para o mundo das imagens. Corre-se o risco de cair na subliteratura, principalmente quando se desconhece ou se subestima a força do cinema como arte.

No caso das cartas trocadas entre o escritor português António Lobo Antunes e sua mulher grávida, durante a Guerra Colonial no início dos anos 1970, existe um risco extra: achar que a força intimista do texto segura por si só um filme.

O pensamento deve ser outro. Se o texto tem algum tipo de força, as imagens estão automaticamente libertas, e assim pode-se encontrar mais facilmente a poesia, não a buscada a qualquer custo, mas a que nasce do sentimento, da resposta sincera ao que o texto provocou.

De alguma forma, Ivo M. Ferreira demonstrou consciência dessa possibilidade e soube criar imagens libertas em "Cartas da Guerra", seu terceiro longa. Temos literatura? Temos, sim senhor. Mas também temos cinema.

O longa é uma adaptação das cartas reunidas em um volume intitulado "D'Este Viver Aqui Neste Papel Descripto" (segundo a escrita portuguesa). Na época, Antunes era médico do Exército, mas já se aventurava na escrita.

As imagens são em preto e branco. As cartas dele são lidas por uma voz feminina, representando sua mulher, enquanto as dela, menos numerosas, são lidas por um homem, Lobo Antunes. Dar voz ao leitor em vez de ao emissor é um modo de valorizar o texto, seu estilo e sua recepção.

É belo, decerto, às vezes belo demais. Sentimos que as imagens forçam algum efeito poético, um problema que existe também em outro filme português, igualmente em preto e branco, também passado na colônia africana de outros tempos: "Tabu", de Miguel Gomes.

Gomes é oportunista na fabricação de imagens poéticas, mas está sob uma estrutura que disfarça melhor o artificialismo da beleza que encontra. Ferreira parece mais ingênuo quanto ao efeito da plasticidade que busca, e isso de certo modo o redime.

"Cartas da Guerra" se desenvolve numa toada quase monótona. Mas seus bons momentos, sobretudo os vinte minutos finais, como no recém-estreado "Poesia Sem Fim", de Alejandro Jodorowsky, fazem-no levantar um formoso voo.

Assista ao trailer de 'Cartas da Guerra'

Assista ao trailer de 'Cartas da Guerra'


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