Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Livro de contos do médico Olavo Amaral revela autor promissor

DICIONÁRIO DE LÍNGUAS IMAGINÁRIAS (bom)
AUTOR Olavo Amaral
EDITORA Alfaguara/ Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,90 (128 págs.)

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Os contos de "Dicionário de Línguas Imaginárias" até podem parecer dispersivos, mas há uma forte coesão na temática e na ordem das narrativas. De um campo de extermínio no Camboja a uma aldeia indígena obscura, os cenários são meros pretextos para falar de um mesmo assunto.

Todas as narrativas articulam, em algum nível, o desejo humano de compreender e ser compreendido, de encurtar ou romper distâncias. A barreira pode ser linguística e cultural, mas também mais difusa -o vão que existe entre dois indivíduos com percepções e experiências distintas, ainda que partam do mesmo contexto.

Assim, essa tentativa de conexão se dá tanto entre aqueles que sempre estiveram muito próximos ("O Ano em que Nos Tornamos Ciborgues") quanto entre aqueles que vêm de ambientes radicalmente diferentes ("Uok Phlau", "Iceberg").

Há contos muito bons. É o caso do claustrofóbico "Travessia", em que cinco sujeitos pretendem cruzar uma fronteira ocultos no interior de um veículo. Naquele espaço exíguo, a barreira da língua contribui para aumentar uma tensão que logo descamba para a violência.

Outros pecam pelo final previsível ou redundante, estranho ao conto. "Quarto à beira d'água" –um casal de agricultores que precisa superar uma ferida profunda– tem seu maior mérito, a sutileza, esmagado nas últimas páginas.

MIXTAPE

Dos dez contos compõem "Dicionário de Línguas Imaginárias", um se destaca brutalmente: "Mixtape" é aquele em que o autor mais arrisca e no qual mais acerta. A disparidade é evidente. Perto dele –um conto extraordinário, irretocável– os outros são bem escritos, mas pálidos. É como contrapor uma narrativa de um autor experiente a outras de um autor competente, mas ainda em desenvolvimento.

Dicionário de Línguas Imaginárias
Olavo Bohrer Amaral
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Em "Mixtape", Amaral parte de fragmentos de Cortázar e Borges, Foucault e Barthes, além da enorme biblioteca de pornografia online, para abordar, uma vez mais, as várias formas pelas quais tentamos romper a solidão. Próximo do protagonista, o narrador sugere que é possível estabelecer e comunicar quem somos por meio de escolhas.

A ideia é recolher fragmentos variados, pinçando do todo aquilo que queremos mostrar ou contar –atribuindo sentido a nós mesmo e ao mundo.

Amaral, que além de escritor é médico e pesquisador da área de neurociência, é um narrador competente. Em nove contos, "Dicionário de Línguas Imaginárias" revela um autor promissor. Em um conto, um autor pronto para ser colocado entre os melhores escritores brasileiros.

Divulgação
O médico, pesquisador e escritor Olavo Amaral, autor de 'Dicionário de Línguas Imaginárias
O médico, pesquisador e escritor Olavo Amaral, autor de 'Dicionário de Línguas Imaginárias'

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