Folha de S. Paulo


Os 15 melhores sets do festival de música Sónar 2017 de Barcelona

As pessoas dançaram até depois de o sol raiar no Sónar, o festival anual de música eletrônica de Barcelona. O último DJ manteve o baixo pulsando até as sete da manhã.

O Sónar une a a cultura noturna da Espanha ao vigor eufórico dos fãs de techno, house e outras variedades de música que recorrem às máquinas para causar movimento e suor. O festival deste ano, que aconteceu de quinta-feira a domingo, foi a 24ª edição anual do Sónar, e a mais movimentada, com 123 mil espectadores.

O Sónar se tornou uma instituição na Europa e uma marca forte o suficiente para que edições derivadas tenham surgido em Reykjavik, Buenos Aires e Tóquio, entre outras cidades.

Em sua cidade natal, a versão original, realizada a cada junho, atrai os principais músicos cujo instrumento oficial é o laptop.

No fim de semana prolongado do Sónar, até mesmo músicos que não fazem parte do elenco de 140 atrações do festival correm a Barcelona para fazer shows paralelos em bares, casas noturnas e armazéns. A perspectiva do festival é claramente futurista, com uma conferência paralela - Sónar Plus D - que mostra inovações em realidade virtual e permite que músicos e inovadores do software se encontrem e troquem ideias. E os artistas convidados para o evento honram o passado e o presente da música eletrônica, com shows de Cerrone, hip-hop dos anos 90 tocado pelo De La Soul e grime britânico contemporâneo, com Giggs.

O Sónar acontece em dois lugares decididamente diferentes, o Sónar by Day e o Sónar by Night, os dois montados em centros de exposições.

Os quatro palcos e a exposição sobre tecnologia do Sónar by Day ficam a um quarteirão da histórica Plaça Espanya. Enquanto isso, o gigantesco Sónar by Night tem múltiplos espaços em tamanho arena, e apresenta shows capazes de lotá-los. O festival oferece espaço ao experimental mas também quer satisfazer as multidões, misturando o sutil e o nem tanto, com shows pequenos para espaços fechados e espetáculos sísmicos de música eletrônica capazes de lotar estádios.

Eis 15 dos melhores sets do Sónar 2017:

BJÖRK

Björk veio com seu laptop, um vistoso trajes branco que culminava em uma máscara, um chapéu de abas largas, e um palco repleto de verde para seu set de quatro horas como DJ na abertura do Sónar, quinta-feira. Foi uma excursão por uma mente musical inquisitiva e abrangente, que mistura tempos, texturas, climas e continentes. Ao longo do caminho, em combinações sempre plausíveis, Björk apresentou meditações melódicas, passagens orquestrais, faixas de dança enxutas em diversos idiomas, noise eletrônico brutalmente percussivo e pop alegrinho - uma ótima antevisão do festival que estava começando.

SOULWAX

A presença de três bateristas deixava claro o viés exagerado do Soulwax, um grupo belga com uma atitude sardonicamente agressiva com relação ao pop e à tecnologia. Os membros do grupo também gravam sob o nome 2 Many D.J.s, e a banda tocou em um palco preparado para reproduzir seu estúdio de gravação, o Studio Deewee, com bateristas em salas separadas e um monte de equipamento com luzes tremulantes. As canções se sacudiam e estalavam, como uma espécie de pop adolescente crescido em excesso, ostentando letras sombrias como se fossem troféus e ganhando intensidade até culminar em alegres e ensurdeceras barragens de bateria.

ANDERSON.PAAK AND THE FREE NATIONALS

Músculos à moda antiga, e não eletrônica, criavam o beat de Anderson.Paak e sua banda, e o principal responsável por isso era o músico nascido Brandon Paak Anderson, que alternava pronunciamentos de intensidade religiosa na porção frontal do palco com passagens ruidosas pela percussão. Com acompanhamento de uma banda capaz tanto de dar peso ao groove quanto de passagens quase jazzísticas, as canções do show foram um passeio pelas décadas do funk, de Stevie Wonder nos anos 70 ao trap do século 21. O set respondeu às reações da plateia de uma maneira que beats programados jamais poderiam acompanhar.

ARCA E JESSE KANDA

Arca - o músico venezuelano Alejandro Ghersi - já havia mostrado sua música eletrônica em colaborações com Björk e Kanye West. Sozinho, Arca se tornou uma diva andrógina e carismática, ofertando extremos. Ele cantou sobre amores trágicos em um falsete operístico, acompanhado por timbres orquestrais entremeados de gritos sampleados; Arca urrou, riu histericamente e brandiu um chicote. As perturbadoras imagens em vídeo de Jesse Kanda só serviram para intensificar o clima de drama.

JUSTICE

A música do Justice é feita para espaços pelo menos do tamanho de uma arena, onde as luzes estroboscópicas possam brilhar de acordo com cada nota sequenciada do sintetizador, diante de uma batida básica forte e ruidosa em 4/4, com um som triunfal. A dupla francesa de tecladistas passou por trechos de órgão de catedral que lembravam a música clássica, refrões pop fortes, sintetizados pulsantes e beats de dança poderosos: um crescendo vigoroso jamais estava muito distante.

JLIN

Não havia como adivinhar onde cairia o próximo beat, na música deslizante, ziguezagueante, sibilante, oscilante de Jlin - a compositora de música eletrônica Jerrilynn Paxton -, mas tudo acontece rápido. De seu laptop, ela disparava samples de percussão em fuziladas metódicas, muitas vezes em tempos acelerados, com seis beats por compasso, espalhados pelos quadrantes do estéreo a fim de tornar as coisas ainda mais vertiginosas. RP Boo, o mentor de Jlin e uma grande figura na cena do footwoork em Chicago, também tocou no Sónar, um set que oscilava alegremente entre extremos. Fiquei feliz por ouvir os dois.

JUANA MOLINA

Os álbuns da compositora argentina Juana Molina estão repletos de enigmas silenciosos, quase sussurrados. Era difícil imaginar como suas canções se sairiam diante de uma plateia de festival a céu aberto. Ela se saiu muito bem, à frente de um trio que aproveitava os ciclos agudos de sua voz e o dedilhado da guitarra, muitas vezes em assinaturas de tempo exóticas, e com a voz alçada apenas o mínimo necessário para expor seus sinuosos encantos.

LENA WILLIKENS

O pulso era quase constante, mas nada permanecia inalterado por muito tempo no set absorvente e propulsivo de techno apresentado pela DJ Lena Willikens, de Dusseldorf, na Alemanha. A tela de vídeo mostrava as mãos dela constantemente mexendo em botões e alterando os padrões da música: acrescentando e subtraindo percussão, revelando camadas de seus padrões sintetizados, tornando os sons mais suaves ou mais nervosos. Tudo mudava muito gradualmente, e com foco muito intenso.

DEENA ABDELWAHED

O set da DJ Deena Abdelwahed continha muitos sons de sua terra natal, a Tunísia, sampleados e empilhados ao seu modo. Ela domina e emprega bem os beats internacionais do techno e house, mas percussão e vozes masculinas e femininas norte-africanas sempre ocupam o primeiro plano em seu som - o que para a DJ nada tem de exótico.

CARL CRAIG PRESENTS VERSUS SYNTHETIZER ENSEMBLE

O produtor de techno de Detroit teve seu catálogo homenageado este ano com "Versus", um álbum de arranjos orquestrais para suas composições. Cinco tecladistas o acompanharam no palco para tocar as faixas ao vivo (com ajuda, aparentemente, das porções orquestrais de algumas faixas), enquanto Craig disparava os beats. O arranjador, Francesco Tristano, ao piano, acrescentou alguns toques de improviso. Foi um lembrete de que o techno e o minimalismo clássico nunca estiveram assim tão distantes.

NONOTAK

O Nonotak é uma dupla visual e de música: o arquiteto e músico japonês Takami Nakamoto e a ilustradora francesa Noemi Schipfer. "Shiro", uma de suas composições, os exibia em silhueta por trás de uma tela em forma de X que reluzia com padrões geométricos cada vez mais complexos, em preto e branco, que culminavam em uma espécie de Op-Art estonteante. As imagens estavam sincronizadas a um acompanhamento musical que inicialmente parecia monocromático - assobios, zumbidos, estalidos, assopros - mas terminou por se tornar um mundo em si.

NOSAJ THING E DAITO MANABE

Uma correnteza profunda unia as porções do set de Nosaj Thing (o produtor Jason Chung, de Los Angeles). Os tempos lentos pareciam ainda mais lentos, quase sonâmbulos, mesmo com alguns vislumbres de percussão em estilo trap. Os samples ecoavam cruzando o beat, sem pressa de chegar a qualquer lugar específico. O acompanhamento visual do artista japonês Daito Manabe só reforçava essa sensação de ondulação suspensa.

VALGEIR SIGURDSSON

O Sónar guardou espaço para música de câmera clássica acompanhada por uma penumbra de efeitos eletrônicos. O compositor Valgeir Sigurdsson - que também participou do excelente set do compositor e pianista Nico Muhly - usou seu laptop para acompanhar Liam Byrne, que estava tocando viola da gamba, um instrumento parecido com o violoncelo usado em geral para música barroca. As peças de Sigurdsson flutuavam por sobre as linhas mais graves da viola da gamba, às vezes ecoando os ornamentos barrocos, em tons e reverberações eletrônicos persistentes, fantasmagóricos. Era como se a herança da música clássica estivesse sendo percebida de uma perspectiva distante - por exemplo a nossa.

MATMOS

Os três integrantes do Matmos dividiram o palco com um a máquina de lavar. Os sons da máquina têm papel central em "Ultimate Care II", álbum que o grupo lançou em 2016. Samples do barulho do motor e da água sendo expelida, acompanhados pelo uso das laterais metálicas da máquina para percussão, formam uma composição que tem algo de abstrato, algo de rítmico e algo de insensato.

MASTERS AT WORK

Não pude acompanhar o set completo de seis horas do Masters at Work, dupla formada por Louie Vega e Kenny Gonzalez, nova-iorquinos que vêm produzindo dance music juntos desde 1990. Mas o trecho que ouvi era um modelo de house music bem como o reflexo sonoro de uma comunidade hospitaleira, um abrigo no qual o jazz das big bands, vocais de soul, a batida sincopada da disco music e a percussão latina retêm suas personalidades e ainda assim encontram terreno comum na pista de dança.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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