Folha de S. Paulo


Em meio a crise, Balé da Cidade abre segunda temporada do ano

Depois de "Risco", uma criação inédita sobre o grafite apresentada em maio, o Balé da Cidade inicia sua segunda temporada de 2017 nesta sexta (16) sem estreias, com as obras "Cacti" (2014) e "Paraíso Perdido" (2011).

"Fui questionado por não trazer obras novas, coreógrafos internacionais", diz Ismael Ivo, diretor da companhia de dança do Theatro Municipal de São Paulo. "Tenho que ser honesto: estamos em contenção de orçamento, numa crise econômica geral, fazendo arte em cima de ruínas e apesar delas."

Sua resposta foi voltar a montar obras do repertório. "Voltei ao corpo-arquivo; o Balé da Cidade vai fazer 50 anos em 2018 e tem preciosidades em seu acervo, joias coreográficas que continuam muito atuais", afirma.

Segundo o diretor, circula a ideia enganosa de que, enquanto a Secretaria Municipal de Cultura cortou a verba dos editais de fomento à dança, há dinheiro de sobra para o balé da Fundação Theatro Municipal.

"Eu tinha R$ 60 mil para fazer 'Risco'", recorda Ivo. Quando soube do valor, pensei em pegar minhas malas e fugir. Mas tinha que fazer, a minha proposta era me arriscar mesmo", diz.

Para a temporada atual, o diretor dispõe de uma verba de R$ 89 mil, que inclui o pagamento dos direitos autorais dos criadores, o sueco Alexander Ekman ("Cacti") e o grego Andonis Foniadakis ("Paraíso Perdido").

Só a luz de "Cacti", que por contrato tem de ser reproduzida exatamente como foi concebida pelo coreógrafo, está orçada em R$ 24 mil.

O corte de verbas decorrente do contingenciamento, no início do ano, de parte do Orçamento da Secretaria Municipal de Cultura não afeta apenas as novas produções.

Há uma negociação entre a secretaria e o Theatro Municipal para que se efetue uma redução de 30% nos salários dos corpos estáveis. Para o balé, a situação é pior.

"A dança é sempre a menos favorecida", afirma Ivo. "Os bailarinos ganham menos que os outros corpos estáveis e têm um tempo de carreira mais curto. Mas, em vez de ficarmos tristes, temos que criar, é o momento de o artista sair a campo."

Essa saída tem um aspecto literal na nova temporada.

Há uma semana, na sexta-feira (9), bailarinos vestindo os figurinos de "Paraíso Perdido" fizeram performances em logradouros da cidade.

Com as máscaras de animais usadas na obra –inspirada em pinturas do holandês Hieronymus Bosch (c. 1450-1516), como o "Jardim das Delícias Terrenas"–, eles se apresentaram no centro, na av. Paulista e no largo 13 de Maio, em Santo Amaro.

Durante a temporada, que vai até o dia 25, o prólogo do espetáculo será um desfile desses seres, meio bailarinos, meio animais mitológicos, nas escadarias internas e externas do Municipal.

METÁFORA

Para Ivo, as imagens de Bosch são uma metáfora do Brasil. "De longe parece um quadro colorido, cheio de figurinhas, mas de perto há violência, humanos copulando com animais, pessoas rasgando o pescoço de outras. É o caos", ilustra o diretor.

Ivo também aponta paralelos entre a situação atual e a da dança e "Cacti", a outra coreografia da temporada.

"'Cacti' são as plantas que dão em uma terra árida, como o lugar para dança no Brasil hoje. E você ainda tem que criar, produzir. Se espremer um cacto, talvez saia água, mas também sai sangue."

Apesar do tom dramático, Ivo não está completamente desesperançado.

"Quero mudanças, mas não vou concentrar energias só nisso. É o momento de discordar sem ficar melindrado, a arte não é uma coisa pessoal. Vamos dividir, apresentar propostas, dialogar."

As esperanças se estendem até a próxima temporada do balé, em setembro, para a qual ele diz estar pensando em chamar um coreógrafo internacional – mas ainda não pode falar em nomes.

Ivo também se prepara para comemorar em grande estilo os 50 anos da companhia, em 2018. "A primeira coisa é mudar a sede para sua casa definitiva, a Praça das Artes."

Antes disso, ele pretende ampliar o programa que planejou para novembro com o tema "o corpo negro".

"Não é só por eu ser um diretor de balé negro, mas por ser preciso aumentar o alcance do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, e o balé não ser apenas uma migalha de atividade."

Ivo pretende criar uma "Virada Negra", nos moldes de uma Virada Cultural, e diz já estar conversando sobre isso com a secretaria de Cultura e com adolescentes de bairros periféricos, como Capão Redondo e Paraisópolis, para estudar formas de participação e programação.

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CACTI E PARAÍSO PERDIDO
QUANDO qua., sex., e sáb., às 20h; dom., às 17h; ter. e qui., às 16h; de hoje a 25/6
ONDE Theatro Municipal, praça Ramos, s/nº, tel. (11) 3053-2090
QUANTO de R$ 10 a R$ 80 (qua. e de sex a dom.); R$ 30 (às ter. e qui.); 14 anos


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