Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Com tema melancólico, 'Cidades Fantasmas' tem rara força de olhar

CIDADES FANTASMAS (bom)
PRODUÇÃO: Brasil, 2017, Livre
DIREÇÃO: Tyrell Spencer
Veja salas e horários de exibição.

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É sempre um alento quando nos deparamos com um documentário feito com preocupação estética, cinematográfica. É o caso de "Cidades Fantasmas", do gaúcho Tyrell Spencer.

O longa investiga quatro cidades sul-americanas que, por motivos diferentes e descaso das autoridades, foram abandonadas: Humberstone, no Chile, Fordlândia, no Brasil, Armero, na Colômbia, e Epecuén, na Argentina. Viraram cidades desertas, desativadas, apesar do brilho que tiveram no passado.

Premiado na edição deste ano do Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, o filme é todo baseado em "pillow shots", ou seja, planos fixos de lugares desertos, principalmente fábricas, hotéis e casas inabitadas.

Esse tipo de plano foi muito empregado pelo diretor japonês Yasujiro Ozu (de "Era Uma Vez em Tóquio", 1953), como maneira de cadenciar a tensão interna dos dramas dando uma pequena folga ao espectador. Aqui, o recurso serve sobretudo para nos mostrar um passado com olhar melancólico.

São tomadas cuidadosamente compostas, que nos colocam no âmago daquilo que já foi, das lembranças de pessoas que ali habitaram ou que por ali passaram.

A beleza dessas imagens se justifica plenamente, pois faz com que olhemos para esses lugares e sintamos a dor dos que lá viveram, das pessoas que ali construíram vidas, ali deixaram sonhos.

Assista ao trailer de 'Cidades Fantasmas'

Cidades Fantasmas Trailer

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Há momentos em que a câmera passeia pelos lugares, circundando-os como fantasmas. Esses movimentos da câmera fazem um contraponto interessante à rigidez da composição estática que domina o retrato desses lugares.

Há também a convenção do documentário atual, que é a presença de entrevistados, antigos moradores que falam de suas lembranças. O fator humano, que poderia estar implícito, é trazido para a superfície.

Isso coloca o filme dentro de uma redoma de crítica social que o limita um pouco – como quando os antigos habitantes reclamam que nada foi feito pelas autoridades para amparar as pessoas que tiveram de sair às pressas das cidades retratadas.

Apesar de ceder a essa obrigação de explicitar o lado social dos eventos, "Cidades Fantasmas" tem uma força de olhar, um aspecto plenamente cinematográfico raro em documentários recentes.


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