Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Péssimo ator, Adam West foi o melhor Batman

Adam West, que morreu aos 88 anos, nesta sexta (9), nunca conseguiu fugir da sombra do personagem que interpretou numa das séries de TV mais populares da história. Até porque um amigo dentista implantou o símbolo do Batman, aquele morceguinho estilizado, em um dos molares do ator.

O caso dele é diferente de outros atores que ficaram famosos com um determinado personagem e depois tentaram deixá-lo para trás, buscando "novos desafios". Adam West sempre demonstrou carinho e orgulho por ter interpretado Batman em 120 episódios, entre 1966 e 1968.

Na verdade, ele tirou a sorte grande quando foi selecionado para o papel. West tinha 37 anos, sem conseguir estourar na carreira. Exibia um currículo extenso em séries televisivas muito populares, entre elas "Perry Mason", "Gunsmoke" e "A Feiticeira", mas parecia destinado a ser eterno coadjuvante.

A chance em "Batman" não veio porque tivesse mostrado alguma evolução nas pontas que conquistava nessas séries. A sorte apareceu depois que fez alguns comercias para o achocolatado Quick, da Nestlé.

Xinhua/Globe Photos/Zumapress
Adam West (à dir.) e Burt Ward como Batman e Robin na série da década de 1960
Adam West (à dir.) e Burt Ward como Batman e Robin na série da década de 1960

Os produtores queriam alguém desconhecido para personificar o herói do gibi. Assim, o fato de ter 12 anos de carreira sem destaque passou de algo negativo à condição de passaporte para o sucesso.

Hoje, seu personagem na TV parece muito distante da versão predominante do Batman, um herói amargo, sombrio, violento. Trata-se de um personagem de HQ que teve muitos tratamentos diferentes em cada mídia. Mesmo em apenas uma delas, o cinema, já foi apresentado de várias maneiras, dependendo do cineasta no comando da produção.

A aposta em 1966 foi criar um seriado com humor, violência zero e elementos visuais coloridos da então efervescente pop art (como as onomatopeias que explodiam na tela para reproduzir o som de socos e pontapés nas lutas do herói). O resultado se inseriu facilmente na iconoclastia que marcava a emergente contracultura nos anos 1960.

West acertou a mão em criar um tipo nada heroico. Seu Batman não era o superdetetive dos gibis (dependia demais de um impagável batcomputador), não tinha o físico sarado (exibia uma saliente barriguinha), ficava ruborizado com o assédio da Mulher-Gato ou da Batgirl, e ainda sofria muito para educar seu pupilo Robin.

Falando em Robin, parece apenas invenção um suposto affair entre West e o ator Burt Ward, que fez o papel de Robin na série. A história ainda permanece sustentada por alguns biógrafos e é desmentida pelos dois. A dupla, vestida com aquelas malhas, era praticamente uma piada pronta, mas a amizade dos dois atores teria seguido uma rotina de excessos de bebidas e sexo livre com todas as garotas à disposição.

Durante a produção do seriado, West aproveitou uma fase de solteirice depois do segundo casamento. Só em 1970 voltaria a se casar, quando a fama conquistada na série já estava passando e ele tinha dificuldades em conseguir novos trabalhos.

Embora tenha participado de quase 200 produções para cinema e TV, West só teve protagonismo em "Batman". E a razão é simples: era um péssimo ator, como uma garimpada em seus momentos de coadjuvante antes do Homem-Morcego pode comprovar.

A partir dos anos 1970, West continuava um mau ator e, ainda por cima, ligado fortemente a um personagem conhecido por todo mundo, gente de qualquer idade. Nenhum produtor com juízo perfeito iria apostar no eterno Batman cafona da TV em outro papel.

West só teve paz de espírito e dinheiro no bolso quando parou de lutar contra o personagem. Agarrou a batcapa e pegou carona com as reinvenções sofridas pelo herói nas últimas décadas. Dublou Batman em séries de animação e games, virou figura fácil nas convenções de fãs de quadrinhos e assumiu de vez que sua carreira poderia ser resumida a isso.

Era um ótimo entrevistado, sempre disposto a relembrar bastidores da série (que foram foco de uma autobiografia em 1994), e tinha paciência para discutir sobre Batman com nerds que beijavam sua mão. Afinal, é possível discordar sobre quais diretores de cinema ou autores de quadrinhos fizeram versões melhores ou piores de Batman, mas todo mundo adora o herói que descia de batposte da mansão Wayne até a batcaverna. E esse era Adam West.


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