Folha de S. Paulo


Para Ozon, longa sobre a Primeira Guerra é indireta a tempos atuais

Em um primeiro momento, "Frantz" parece um filme antiquado e talvez "certinho" demais para os padrões do diretor François Ozon. Mas não demora para que a trama revele uma farta dose de ambiguidade e malícia, características habituais na filmografia do cineasta francês.

O longa é um dos destaques do Festival Varilux –que começa nesta quarta (7) e vai até o dia 21 de junho em 55 cidades brasileiras, de Pelotas (RS) a São Luís (MA), com exibições de 18 filmes inéditos no país (veja quadro ao lado).

"Minha intenção foi brincar com vocês", disse Ozon à Folha no último Festival de Veneza. Ele se refere às constantes "peças" que o roteiro de "Frantz" prega no espectador, sobretudo quando este acha que sabe o que vem pela frente.

Divulgação
Pierre Niney e Paula Beer em cena de 'Frantz
Pierre Niney e Paula Beer em cena de 'Frantz'

A trama se passa no pós-Primeira Guerra, com foco na misteriosa amizade entre o francês Adrien (Pierre Niney) e o alemão Frantz, que lutam em lados opostos durante o conflito. Com a morte do amigo, Adrien vai visitar seu túmulo na Alemanha, onde conhece a viúva do soldado.

Os dois logo se envolvem em uma relação que transita entre o respeito cordial e o flerte indisfarçável.

O filme explora o tempo todo a falta de conhecimento do espectador sobre a real relação entre os dois rapazes, construindo uma narrativa de suspense.

"Há algumas pistas falsas espalhadas pelo filme, mas chega um instante em que você percebe que havia certa verdade por trás dessas mentiras. Foi essa complexidade que me interessou", diz o cineasta. "Uma mentira exprime sempre um desejo."

A trama é uma adaptação de uma peça do francês Maurice Rostand (1891-1968), antes levada ao cinema por Ernst Lubitsch (1892-1947), em "Não Matarás" (1932).

"Só depois conheci a outra versão, mas o que me interessou foi mesmo a peça original de Rostand. Gostei do ponto de partida: o soldado francês que deixa flores no túmulo de um combatente alemão", diz Ozon.

O diretor afirma que só se sentiu à vontade para usar o material quando teve um "insight". "Vi que Lubitsch, alemão, contava a história do ponto de vista do soldado francês, e então eu intuí que deveria fazer o oposto: sendo francês, contar a trama pelo ponto de vista da jovem alemã, que era o dos perdedores da guerra", diz o cineasta.

"Frantz" é quase todo falado em alemão e praticamente todas as cenas são em preto e branco –só fica colorido em momentos estratégicos. "Acho que a memória da guerra, a reconstrução daquela época, fica mais crível se em preto e branco".

Apesar de ser uma trama de época, a possibilidade de abordar ali uma questão do mundo atual fez toda a diferença para Ozon. Na trama, o francês na Alemanha sofre o dissabor de ser um estrangeiro em local hostil.

"Quando me encontrei com os produtores, me disseram: 'Mais um filme sobre a Primeira Guerra?'. Mas falar sobre esse período é também um modo indireto de abordar os tempos atuais, em que sentimos o forte aumento do nacionalismo em toda a Europa, o medo que as pessoas têm dos estrangeiros, a crise dos imigrantes, o desejo do fortalecimento das fronteiras nacionais", diz Ozon.

"Na Europa [ocidental], não temos nenhuma guerra há quase 80 anos, e isso é de certa forma por causa da Segunda Guerra, de um esforço dos povos de não cometerem os mesmos erros", observa o diretor. "A história se repete, e muitas vezes de forma trágica, então temos que aprender com essas lições."

Veja salas e horários de exibição.


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